Canela,

17 de abril de 2024

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Cavalos soltos na rua e na rodovia: de quem é a (i) responsabilidade?

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Fotos: Reprodução

Legislação existe, mas a Prefeitura e o Governo do Estado falham ao apresentar uma solução para o problema

A imagem do cavalinho morto na ERS 466 é o retrato da eficiência do poder público nesta questão

Diariamente, cavalos são vistos andando livremente nas ruas e principais rodovias de Canela. Alguns já chegaram a causar acidentes, felizmente, até o momento, nenhuma vítima fatal.
Mas, vamos esperar acontecer uma tragédia para tomar uma atitude?
No último dia 02, um potrinho foi atropelado na estrada do Caracol, ERS 466. Morreu no local. Por sorte os ocupantes do automóvel não se feriram.
A imagem é forte, mas é um problema que está longe de ter solução nas vias públicas de Canela. Conversando com os órgãos responsáveis, percebe-se que muito se tem a dizer sobre o assunto, muito se tem a fazer sobre o assunto, mas pouco acontece na prática.

Corriqueiro: animais pastando nos canteiros da ERS 235

(i) Responsabilidade do dono > Por certo, estes cavalos têm donos e a primeira responsabilidade é do proprietário que deixou o animal em situação que coloca ele mesmo e pessoas em risco.
A primeira coisa a fazer é denunciar o dono do animal para que assuma juridicamente pela responsabilidade, mas nem sempre é fácil.
Em geral, depois que o animal é apreendido, o dono não aparece para reclamar, pois, caso faça, será responsabilizado.
As autoridades então tem que trabalhar com denúncias da comunidade.
O sargento Rocha, da Polícia Rodoviária Estadual de Gramado relatou um fato acontecido na Rota do Sol, em que um bezerro causou um sério acidente. Em meio ao atendimento, um homem se aproximou do animal e cortou a orelha, levando consigo o pedaço em que estava uma etiqueta com identificação do proprietário.
A PRE pode, se identificar o dono, lavrar um TC – Termo Circunstanciado e levá-lo à Justiça. Esse é o único meio em rodovias estaduais.
Já nas vias municipais a coisa muda de figura.

Dia 01 de junho de 2017, na esquina das ruas Assis Brasil com Teixeira Soares, dois cavalos soltos no meio da via pública

Canela tem legislação, mas não recolhe > Canela tem legislação sobre o tema. Cavalo solto nas vias municipais é responsabilidade exclusiva da Prefeitura e deve ser realizado pelos Departamentos de Fiscalização e Trânsito.
Até aí tudo bem, mas a prática é bem diferente. Perguntamos, via departamento de comunicação da Prefeitura, se esse recolhimento existe e como é feito. Por e-mail, recebemos a seguinte resposta:

Na Rua Tio Elias, também em 2017, uma família, inclusive com potrinho, solta no passeio público

“A Prefeitura de Canela, através da Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Mobilidade Urbana, abriu processo administrativo em 11 de janeiro de 2018 (n° 347), dando início a minuta do Projeto de Lei que regulamentará a questão dos animais domésticos no município de Canela. A minuta está sendo analisada e segue tramitando na Secretaria de Meio Ambiente, incluindo a possibilidade de terceirização dos serviços de recolhimento e tratamento de animais de grande porte”.
Ou seja, não é feito e não tem previsão para começar a acontecer.

Batizada de Vitória, mesmo com os esforços dos voluntários, morreu após o resgate, em razão dos ferimentos

Amigo Bicho tenta ajudar, mas não é suficiente > A Associação Amigo Bicho de Canela, conhecida por resgatar e abrigar animais de pequeno porte, tem tentado auxiliar neste problema, mas, se ela sozinha não consegue dar uma solução para o abandono de cães e gatos, que também é uma responsabilidade da Prefeitura de Canela, quem dirá com os cavalos.
Com a ajuda de voluntários e pessoas da comunidade, os cavalos são recolhidos e acomodados em áreas particulares.
Os medicamentos e o cuidado veterinário também são oferecidos por profissionais da cidade, por pura boa vontade, mas não é suficiente, frente ao número de animais que precisariam ser recolhidos e tratados.
Um exemplo recente é o de uma égua, resgatada pela ONG em outubro do ano passado. Ela foi encontrada quase morta, em um potreiro no bairro Canelinha, local conhecido por ser usado por carroceiros.
O animal já tinha parte das patas traseiras que estava sendo comidos por outros cavalos. Ao tentar tirar a égua do potreiro, integrante da Amigo Bicho chegaram a ser impedidos por um rapaz e tiveram que pedir o apoio da Brigada Militar.

Cavalo pastando no canteiro central, no Canelinha

Situação nas rodovias > As principais rodovias que chegam à Canela são estaduais e pedagiadas, com concessão para a EGR – Empresa Gaúcha de Rodovias.
Segundo o comando regional da Polícia Rodoviária Estadual, a ERS 235 tem trecho de jurisdição da PRE e da concessionária, no sentido Gramado-Canela, até chegar nas ruas Danton Corrêa da Silva e Getúlio Vargas. Após isso, é responsabilidade do município.
Um porém é a rodovia ERS 466, Canela-Caracol. Apesar de não ser pedagiada, também é de responsabilidade da PRE e da EGR.
No outro lado da cidade, no bairro Canelinha, a responsabilidade do Estado começa a partir do Km 45, exatamente aonde a rodovia deixa de ter pista dupla, poucos metros após o posto de saúde.

O que diz a EGR > Apesar de termos rodovias pedagiadas, com tarifas que não chegam nem perto de ser baratas, a EGR oficialmente lava as mãos.
Nossa reportagem entrou em contato com os postos de pedágio de Gramado e São Francisco de Paula, falamos com o gerente operacional de todas as praças de pedágio, mas todos indicaram falar com a Assessoria de Imprensa da concessionária.
Por e-mail, o departamento de comunicação da EGR informou à redação que “conforme o CTB – Código de Trânsito Brasileiro, artigo 269, a responsabilidade sobre animais na pista é da autoridade de trânsito, no caso das rodovias estaduais, a PRE. O telefone, portanto, é o 198”.

O que diz a PRE > A Polícia Rodoviária Estadual admite a responsabilidade sobre animais nas rodovias, mas diz que não existe estrutura para recolhimento e manutenção destes animais.
Em um mundo ideal, o dono do animal deve ser identificado e levado à justiça.

Registro feito nesta terça, 04, na Rua Rui Viana Rocha, no São Luiz

Acordo de cavalheiros > Segundo o Sargento Paulo Henrique, comandante da Polícia Rodoviária Estadual, com sede em Gramado e que atende nossa região, o que existe é um acordo de cavalheiros com a EGR, concessionária que opera os pedágios da Região.
A PRE é notificada da presença de animais nas rodovias e notifica a concessionária, que por sua vez faz o recolhimento do animal.
Mas, nada disso está no papel, a EGR dá “uma ajuda de boa vontade”.
Sendo assim, não se pode cobrar a efetividade neste recolhimento.
Em conversa informal com nossa reportagem, um funcionário da EGR chegou a admitir que em certos casos, por conhecer o animal, o mesmo é recolocado para dentro da propriedade.

Março deste ano, na Praça da Matriz, novamente dois cavalos adultos e um potrilho

Animais de grande porte não podem ser criados na cidade > Animais de grande porte, como cavalos, bois, ovelhas, entre outros, não podem ser criados em perímetro urbano. O Código de Posturas do Município é bem claro neste sentido e a fiscalização, neste caso, fica a cargo do Departamento de Fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente.
Em alguns casos isolados, perante denúncia, a fiscalização até resolve, mas é tão comum encontrar estrebaria em zona urbana que fica evidente que não há um trabalho específico neste sentido.
Claro, que como no caso de animais recolhidos em vias públicas, se a Prefeitura tiver que recolher animais criados em zona urbana, vai necessitar de um veículo apropriado para este fim e de um local onde este animal seja cuidado até ter um novo destino. E essa estrutura não existe, logo, não está sendo feita a fiscalização.

Égua encontrada na área invadida “Mirote”, utilizada por carroceiros. Morreu no local, na foto, os cachorros que comiam suas patas

Carroceiros também são realidade > A grande presença de carroceiros em Canela é outra realidade, em geral, estes veículos são movidos por tração animal, ou seja cavalos.
O Decreto Municipal 4.712, de 22 de novembro de 2005, institui o Controle do Trânsito de veículos com tração animal e humana nas vias públicas do Município de Canela, e adivinhem: não é cumprido.
A regulamentação, que tem mais de quatro páginas, diz que para transitar em via pública os veículos de tração animal tem que atender uma série de requisitos, como:
– estar equipados com faixas refletivas, dispostas duas em cada lateral e três na parte traseira;
– declaração de propriedade do veículo e/ou apresentação de nota fiscal;
– laudo de vistoria das boas condições físicas do veículo, expedido pela Secretaria Municipal de Trânsito e Segurança Patrimonial.
Além disso, fica proibido o transporte, em veículo de tração animal, de produtos e/ou resíduos considerados perigosos e tóxicos, bem como de restaurantes e domiciliares.
Atire a primeira pedra quem encontrar uma carroça que atenda pelo menos aos cinco itens listados acima.
O decreto proíbe ainda a circulação de carroças em 18 ruas da cidade, praticamente toda a área central e proíbe a condução por menores de 18 anos.
Para finalizar, o condutor de carroça deve estar cadastrado na Prefeitura e ter um laudo anual que ateste o bom estado físico e sanitário do animal que tracionará o veículo, o que também não vem ocorrendo.
Este cadastro teria 90 dias para ser implantado a partir da publicação do edital, mas a Prefeitura não tem como cumprir ele, seja por falta de estrutura ou interesse dos carroceiros.

Foto: Francisco Rocha – Vereador Jerônimo Terra Rolim

Mudar a legislação e implantar bicicletas > Vereador e ativista da causa animal, Jerônimo Terra Rolim (PSDB), acredita que a atual legislação municipal deve ser revogada e uma nova deve ser implantada. “Não funciona, se não funciona, a gente deve revogar e discutir uma nova maneira de resolver esse problema”, diz o vereador se referindo ao decreto 4.712/2005.
Para ele, tudo passa pela estrutura que não existe em Canela, veículo para recolher os cavalos e um local para abrigar e tratar os animais.
“Enquanto não tivermos isso, não adianta legislação”, frisa Rolim.
O vereador defende uma lei dura contra os carroceiros, proibindo de vez a atividade com tração animal. Uma solução seria a usada em Porto Alegre, onde os catadores utilizam triciclos montados a partir de uma bicicleta.
Ele acredita que Canela precisa, como comunidade rever seu conceito do tema. “As pessoas se acostumaram a ver carroças e cavalos soltos, é cultural”.
Assim como na questão dos cachorros, a dos animais de grande porte passa por investimento. “Eu não consigo entender uma cidade turística bonita, com passeios públicos novos e iluminação de LED e paralelamente cavalos soltos no centro. Ficamos muitos anos sem cuidar disso (causa animal), agora vamos ter que investir dinheiro público para resolver o problema”, finaliza.