Canela,

16 de abril de 2024

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Grag Queen: artista canelense é destaque nas redes sociais

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Um menino de peruca”. #SQN!

Conheça a história de Grégory Mohd, artista canelense que usa seu talento para divertir e falar sério sobre questão de gênero.

Francisco Rocha
francisco@portaldafolha.com.br

Se você não está habituado com aplicativos como TikTok, Instagram e YouTube, talvez não tenha ouvido falar de um personagem, totalmente “made in Canela”, que está fazendo muito sucesso.

Grag Queen é uma drag criada pelo artista canelense Gregory Mohd, 25 anos, que já arrebatou mais de 800 mil seguidores nas redes sociais, no Brasil e no mundo, misturando música e atuação de uma maneira bem humorada, sempre levantando a bandeira LGBTQIA+.

A reportagem da Folha foi conferir como iniciou essa trajetória, recheada de contrastes e lições para uma sociedade que ainda está precisando aprender a respeitar questões de gênero.

Grag Queen é sucesso nas plataformas digitais
Fotos: Divulgação

Confira a entrevista em vídeo, acima. Abaixo, a matéria publicada na Folha de Canela desta sexta (18):

Folha de Canela: Como começou essa tua trajetória de usar as redes sociais para mostrar teu trabalho?

Gregory Mohd: Eu nasci, na real, no meio desta transição para toda essa tecnologia, vivi o tempo do Orkut e MSN. Chegou um momento da minha carreira que havia saído dos musicais e com um amigo chamado Wes, fundamos o Armário de Saia, um projeto que eu amo muito tenho um carinho gigantesco.

Este projeto me fez acreditar na drag e passei a expressar minha arte em várias plataformas.

Eu aprendi que a minha existência consegue ser revolucionária e permite que eu alcance pessoas em diversos lugares sem estar lá fisicamente.

Mas como você se envolveu com a arte, cantar, atuar?

Eu vim da igreja, né? Venho de família evangélica e nasci dentro da igreja evangélica. Uma das coisas incríveis que a igreja evangélica me trouxe foi a referência musical, que é muito

forte. Ali tinha coral e ouvia sobre Si Bemol, sobre o tempo. Isso é uma coisa que nem todas as pessoas aqui no Brasil têm acesso.

Meu pai também sempre trocou, sempre cantou, antes mesmo de eu nascer.

Ser de Canela e Gramado também é uma coisa que nos possibilita ter acesso à arte muito cedo, né?

Temos o Sonho de Natal, lugares como a academia de arte, escola das artes, que foi onde eu comecei a aprender, estudar, que é coisa de quem vive aqui.

Podia escolher cantar, atuar, ir para a área da arte que tu quisesse.

Como aconteceu porque a tua escolha por essa personagem?

A minha existência que escolheu, é muito doido. Eu saí de Canela e aqui a gente não tem muito contato, mas passei a ver o que acontece neste mundão, onde pessoas morrem e pessoas são apedrejadas e hostilizadas e eu já fui, eu já estive nesse lugar.

Aí disse, sei que eu sou uma artista e sou uma artista incrível, então preciso usar minha arte para revolucionar, para representar e ressignificar

Acredito que minha drag começou como uma missão, hoje só potencializa tudo que eu tenho de

melhor, ela multiplica tudo que eu preciso falar e faz ficar belo. Eu amo minha drag, que, né? Sou eu!

Por outro lado, a Grag me trouxe muita liberdade e autoestima.

Grégory Mohd usa seu personagem para falar da questão LGBTQIA+
Foto: Francisco Rocha

Mas, a Grag Queen, é um alter ego do Greg, ela é um personagem ou mistura as duas coisas?

No teatro, a gente aprende que incorpora o personagem e ali não existe mais nada de

Gregory, mas a Grag ainda tem o Gregory.

Eu não sinto que ela vem para esconder, ela vem para potencializar, é como se fosse o Greggory sem toda a opressão que passou na escola, sem toda a pressão que ele passou na igreja, sem toda a pressão social que, a gente, LGBTQIA+, as crianças, somos extremamente oprimidas.

Isso é extremamente influente em nosso desenvolvimento psicológico e isso faz com que sejamos adultos oprimidos, adultos retraídos. Não é timidez, é opressão e a gente cresce assim.

E a drag, ela explode, ela não tem vergonha.

Tu chegaste a ser destaque do TikTok e é o artista canelense com a mair expressividade hoje, nas redes sociais. Como foi esse crescimento do teu trabalho?

Vou ter que dizer que foi em razão da quarentena. Estava morando em São Paulo, fazendo outras coisas, vivendo a vida e cantando do carnaval e, pandemia.

Lá, pagando aluguel caro sem saber o que fazer, ouvia muito as pessoas falando a palavra reinventar Eu voltei para casa e comecei a me reinventar. Foi quando a Grag, potencializada se desprendeu dela mesmo disse: gata, agora é hora de fazer tudo que faz parte de ti, perde o medo e a vergonha.

Eu criei mei TikTok em março, imagina, hoje eu tenho 800 mil seguidores.

Voltei pra Canela, minha mãe e meu pai não entendiam nada, que eu tava montada quase todo dia em casa, sempre dois vídeos por dia, desde março eu nunca ficou um dia sem vídeo.

Acho que foi isso, simplesmente foi colhendo.

Grag Queen foi destaque no TikTok em outubro

F.C.: Os seguidores interagem contigo?

Muito! É desde o bom dia ao almoço, tudo que eu posto vai ter gente que vai conversar.

As tem gente que fala comigo lá Portugal falando que a minha cadelinha é bonita. Então, a internet

liga as pessoas e para mim é tudo.

F.C.: Como um guri, criado aqui em Canela, perto do Lago, visitar a vida das pessoas através da internet?

Eu amo fazer o desenho animado e dar a referência de tudo que eu vivi na infância.

Como a Grag me trouxe essa confiança, eu quero resgatar tudo que eu vivi, oprimido, fechado e retraído.

É fazer uma abertura de desenho para aquele menino sentado no sofá, com Nescau na mão, que não se entendia, que não se sentia representado.

Eu fico viajando nessa minha linha de resgatar e fazer vídeo para criança.

É muito estranho sentir que em todos os lugares que habitava eu me sentia deslocado.

Agora, eu entendo que eu era maravilhoso e faço isso, mesmo, para o meu.

Você fez um vídeo na internet dizendo que era zombado na escola. O pessoal de Canela hoje te reconhece, como o artista da internet?

Não sei, sinceramente. Eu já eu me habituei a andar sem olhar muito para os lados, mas quem era meu amigo, muita gente que segue, sim.

Sim, eu fui muito zoado na escola, como todo “viado” que qualquer um conhece. Eu era extremamente fechado, eu era extremamente religioso e eu ainda pesava uns 120kg.

As crianças não perdoam, a gente se oprime e não fala para mãe. Já apanhei no colégio de professora, era bem ruim.

Eu chorava às sete horas da manhã, quando ia pra escola. Eu não conseguia falar para o meu pai.

É horrível. As crianças são reflexos do que elas ouvem em casa, então, por isso é tão importante o cuidado com o que a gente fala em casa.

Redes sociais acumulam das de 800 mil seguidores, com destaque para o TikTok

Como foi a transição de você se aceitar e criar uma drag e fazer a produção deste personagem na tua casa, com a tua família?

Tem todo um rolê. Nada fazia sentido, por que não era aceito no colégio, não era aceito na família, não era aceito na igreja, não aceito no musical.

Eu sempre ficava de escanteio e isso era o que eu pensava: que eu sou diferente, eu sou problemático, lá vem o Gregory…

Só que não!

Eu aprendi que não existe aceitação. Ninguém tem que nos aceitar, eles tem que respeitar.

Eu nunca tive essa conversa com meu pai com a minha mãe. Sim, tivemos atritos, tivemos conflitos, mas ninguém nasceu desconstruído.

Eu me odiava, eu chorava, eu fazia jejum pedindo para Deus me curar. Escrevia cartas para o meu pai, dizendo que eu estava curado e achava incrível, depois ia para quarto chorar, por que não era isso que queria dizer.

Eu me odiava e quando isso mudou, tudo começou a fazer sentido, o mundo ficou colorido e não olhava para meu pai precisando aceitação.

A gente sabia que era aquilo, que não ia mudar e que tava tudo certo.

A sociedade coloca isso na cabeça, a gente cresce numa sociedade machista, realmente homofóbica.

Não é nossa culpa. Nossa culpa é persistir no erro.

Hoje existem informações incríveis, extremamente legítimas, para a gente aceitar e compreender que as coisas mudaram.

A gente tem que mudar, parar de buscar aceitação. A palavra aceitação é muito pesada, porque ninguém tem que aceitar. A gente tem que buscar esse respeito.

Você trabalha sozinho, desde a montagem da drag até a produção do conteúdo?

Trabalho de drag queen é assim, a gente faz tudo.

No caso dos vídeos, eu faço o bit, faço três vozes, aqui no meu fone, em casa, às vezes quem vê não entende nada.

Me monto e a mão ajuda com o cabelo, ela é perfeita

Gravo vídeo, escolho cenário, edito. Eu gosto muito.

No Brasil a gente não é incentivado a fazer arte, eu me senti porque estava dando certo, isso foi perfeito e agradeço o universo por ter me dado esse retorno, porque é muito fácil desistir, ainda mais sendo artista LGBTQIA+.

E a bandeira LGBTQIA+?

É inevitável trazer a pauta para o jogo, por que tudo é baseado nisso. Eu penso em toda a opressão, todo sofrimento Acho que tudo fez que eu fosse isso. Não tem como ignorar, não tem como eu ter projeção e não falar sobre isso. Somos o país que mais mata pessoas LGBTQIA+, não tem como ser artista nesse país e não puxar essa pauta.

Tem algum recado para o canelense?

Eu vou deixar um beijão para todas as pessoas que já me seguem, convidar todas as pessoas, inclusive a comunidade LGBTQIA+ da cidade, porque tem muita gente com a qual não temos a oportunidade de interagir.

Vamos nos unir, vamos ser um movimento e vamos crescer.

Eu, sendo canelense, sempre fui desacreditada que poderia chegar lá. Eu nunca sonhei porque eu nem aprendi a sonhar em estar em um lugar assim.

Então, sim é possível. É possível sair daqui, é possível ter voz, a voz lá do colégio, que ficou calada.

Ela está gritando para 800 mil pessoas.

Eu amo os canelenses, eu amo essa cidade e sou muito orgulhoso de ser daqui e de fazer uma coisa como estou fazendo, sendo daqui.

Para finalizar, quando acabar a quarentena, quais teus planos para a Grag Queen?

Vai ser mais babado, pois vou conhecer vocês de Portugal, do Recife, de Vitória, enfim, a gente vai se abraçar, sou canceriana e amo abraçar.

Assinei contrato com a gravadora SBMUSIC, de São Paulo, e nós já estamos trabalhando show, já estamos projetando música. Imagina toda aconteceu do que eu fiz pode virar um show, um musical e eu já tô doido para ir cantar.

O palco faz muita falta. É incrível cantar para o celular, é incrível ganhar números e ver vocês, mas o palco faz muita falta.