Canela,

1 de maio de 2024

Anuncie

O mapa da Europa e o estado terminal do Hospital de Caridade de Canela

Compartilhe:

O médico que abandona o paciente na sala de espera e os problemas crônicos do HCC, com aumento expressivo no número de reclamações por falta ou mau atendimento

Enquanto Rússia e Ucrânia seguem no centro do cenário político mundial, por aqui, em terras canelenses a Europa é também assunto importante no consultório do Hospital de Caridade de Canela, ao menos para um médico responsável pelo atendimento na clínica da casa de saúde, o qual se ocupava de um mapa europeu, no monitor do computador disponibilizado para sistema de atendimento aos pacientes.

Nas abas dos softwares abertos no computador, apenas o Google Maps, indicando que nenhum sistema estava sendo utilizado, enquanto o paciente aguardava atendimento na sala de espera.

Por fim, acabando o horário em que médico estava prestando serviço, ele levanta, se despede dos funcionários e vai embora. Curiosamente retorna, minutos depois, pois seu carro não funcionou e se depara com o paciente na sala de espera, com forte falta de ar e procurou atendimento pois havia percebido sangue na secreção da garganta durante crises de tosse.

– Quem é esse moço? – pergunta o médico à enfermeira.

– O Sr. me atendeu há pouco, doutor. Pediu Raio-X e me deixou aguardando aqui! – explicou o paciente.

– Ah, mas isso é rapidinho – disse o médico, abrindo o sistema, examinando o Raio-X e passando uma prescrição oral de remédios, pouco antes de deixar o hospital, rapidamente, mais uma vez.

A hipótese levantada pelo médico foi de possível tuberculose, mas, os remédios, segundo a enfermeira eram um kit Covid.

Assim, depois de quatro horas dentro do hospital, o paciente sai sem um diagnóstico de seu problema e sem o medicamento, afinal, ele não estava com sintomas de Covid e com o seu Raio-X apenas em uma foto da tela do computador, feita em seu celular.

Na próxima semana, o paciente procurou uma consulta com um médico pneumologista e obteve o diagnóstico de bronquite e medicamentos totalmente diferentes daqueles receitados no HCC.

Seria cômico, se o relato acima não fosse verdadeiro e, ainda mais preocupante, apenas um, dentre os inúmeros recebidos pela reportagem da Folha nos últimos meses.

Transparência nunca existiu neste hospital”

Outro relato colhido pela nossa reportagem foi de um acompanhante, que aguardava o atendimento de sua mãe, na emergência do HCC. A sala de espera fica em frente ao posto de enfermagem e enquanto ele observava o forro caindo, escutou um diálogo entre o pessoal da enfermagem e um dos médicos.

O assunto do corpo técnico era a Operação Cáritas, deflagrada pela Polícia Civil para investigar denúncias de corrupção.

– Transparência nunca existiu neste hospital – disse um dos participantes do diálogo, antes de partir ao atendimento.

Medicamento errado na UBS e falta de atendimento no HCC

O avô chega na emergência do Hospital de Canela com seu neto de 12 anos desacordado. Ele havia recebido uma receita médica em uma unidade básica de saúde e, após ingerir a medicação, dormiu e permaneceu desacordado por mais de 18h.

Nem mesmo a movimentação até o carro e o deslocamento até o hospital foram suficientes para acordar o adolescente.

O relato aqui, segue o mesmo enredo de diversos outros colhidos pela reportagem da Folha. Bom atendimento na recepção, um pouco de demora, mas dedicação na triagem, e muita demora da parte do médico.

Desesperado, o avô aproveita a liberação da porta pela recepcionista e entra junto com o acompanhante de outro paciente. No corredor da emergência aborda o médico, em tom de ameaça e o mesmo faz o atendimento, que acaba com a internação do adolescente que permaneceu por três dias no HCC.

– Se não houvesse abordado o médico, não sei quando seríamos atendidos. A triagem disse que era urgência, não sei o que estavam esperando. É um absurdo os impostos que pagamos e não termos um atendimento com o mínimo de dignidade em Canela – disse o avô, após relatar que não sentia orgulho do que fez, mas foi a única alternativa que encontrou para ser ouvido.

Atendimento piorou após mudanças no Hospital

Até mesmo pacientes que seguidamente precisam dos serviços do Hospital de Canela relatam que o atendimento está irreconhecível nas últimas semanas.

É o caso de um canelense que realiza frequentemente o mesmo procedimento há muito tempo, sempre no HCC, e que, neste mês de março, não foi atendido, tendo que procurar o Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado.

Ministério Público deve ajuizar ação para que intervenção municipal seja levantada

A frente de um Inquérito Civil no Ministério Público, o promotor Paulo Eduardo de Almeida Vieira emitiu despacho no procedimento que tramita na Promotoria de Canela, buscando uma alternativa para o HCC.

No último dia 11, o promotor afirmou que “a despeito de a Operação Policial Cáritas” colocar em xeque a administração municipal da casa de saúde, a princípio, em razão de possíveis, e em análise, ocorrências de corrupção durante a intervenção municipal, o Poder Público Municipal está leniente no tocante a encerrar, o mais rápido possível, uma ação interventiva que não deu certo. Não bastasse isso, a despeito de o Estado do Rio Grande do Sul ter, igualmente, sugerido que fosse aberto um processo licitatório, fins de dar transparência à futura contratação da gestão do hospital de Canela, parece, conforme última reunião com os Senhores Prefeito Municipal e Procurador-Geral, que este não é o caminho eleito. Sugestões de comodato e de desapropriação do hospital de Caridade também não foram bem recepcionadas. Em resumo, mantém-se uma intervenção hospitalar por quem, com a devida vênia, não tem toda a expertise necessária para tal complexidade, incrementando-se os riscos daí derivados”.

“Considerando, ainda, que o Município tem se revelado lento no encaminhamento de soluções concretas,  é necessário que o presente caso seja submetido ao crivo do Poder Judiciário”, finalizou o Ministério Público, indicando que deve levar o assunto à Justiça, após um prazo de 20 dias.

Problema sem solução, instituição sem donos

O problema do Hospital de Caridade de Canela parece continuar sem solução. Enquanto a Prefeitura segue com a intervenção, a Associação que é proprietária de direito da entidade, nem mesmo se reúne mais, sequer para avaliar o que acontece com o HCC.

Enquanto isso, a comunidade canelense que realmente precisa deste serviço, ou seja, quem busca atendimento de urgência ou emergência, e não tem como pagar por este atendimento, é quem paga o preço do que o Ministério Público de Canela define como “caos instalado, antes e durante a intervenção”.

Perguntas seguem sem respostas

Diversas são as perguntas que seguem sem resposta em relação ao Hospital de Canela, algumas serão respondidas pela Operação Cáritas, outras, talvez, nunca saberemos, como em relação ao caso do médico que esquece o paciente, que abre esta matéria.

O HCC sabe que isso acontece? A Prefeitura sabe que isso acontece?

Seja sim ou não a resposta para as perguntas acima, fica a sensação de que falta gestão deste serviço ou que alguma coisa está sendo negligenciada.

Contraponto

A reportagem da Folha, ao longo de 30 dias em que vem elaborando essa matéria, tentou contato com a intervenção do Hospital de Caridade de Canela e com a Secretaria de Saúde. Infelizmente, as duas datas agendadas para uma entrevista acabaram não sendo cumpridas.

O espaço para manifestação, tanto do Hospital, quanto da Prefeitura, segue aberto, com o objetivo de sanar estas dúvidas e dar uma resposta à comunidade canelense.

Fotos: Arquivo Folha