Canela,

26 de julho de 2024

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Variações linguísticas em Libras e o protagonismo dos surdos na escola bilíngue viram temas das dissertações das primeiras mestrandas surdas tituladas pela UCS

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Marisol Cristina dos Santos, mestra em Letras e Cultura, comparou o uso da linguagem em duas comunidades escolares surdas, e concluiu que as variações enriquecem o status da língua. Micheli Porn da Silva, mestra em Educação, tratou sobre a identidade de estudantes surdos em escolas que contemplam Libras e Língua Portuguesa. Em celebração ao Dia do Surdo, comemorado em setembro, evento nesta quinta-feira, dia 22, às 19h30, compartilha conhecimentos sobre experiências surdas no âmbito acadêmico

A Universidade de Caxias do Sul titulou, pela primeira vez, duas mestrandas surdas, uma vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Cultura, outra ao Programa de Pós-Graduação em Educação. Marisol Cristina dos Santos, professora de Libras na UCS, graduada em Pedagogia e especialista em Educação Bilíngue para Surdos estudou a variação linguística na Língua Brasileira de Sinais, trabalho aprovado em banca no dia 17 de agosto. Também professora da Universidade, Micheli Porn da Silva, formada em Pedagogia e Letras – Libras, abordou a constituição da identidade de estudantes surdos, com dissertação defendida no dia 12 de abril.

Variações linguísticas enriquecem a Língua Brasileira de Sinais

A Língua Brasileira de Sinais (Libras), como as demais linguagens, apresenta variações linguísticas entre as diferentes comunidades que a utilizam. Essas variações enriquecem seu status de língua, conforme pontua a dissertação da mestra em Letras e Cultura Marisol Cristina dos Santos. Intitulada Variação Linguística na Língua Brasileira de Sinais: um Estudo Comparativo em Escolas de Surdos no Sul do Brasil, a pesquisa analisou comparativamente a Escola de Surdos Helen Keller, em Caxias do Sul, e a Associação de Surdos da Grande Florianópolis.

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O interesse no tema veio de longa data: “percebia que a atualização de uma língua, com um modalidade diferenciada, por uma comunidade específica, faz surgir preconceitos. As escolas, como canal de comunicação entre os usuários, devem ter a clareza dessa informação sem julgar certo e errado”, declarou. “Eu, como participante da comunidade surda e usuária de Libras, assisto muitas pessoas discutir sobre a língua, o que me instigou a estudar as diferenças entre os sinais de duas comunidades diferentes”.

O trabalho, resultado de dois anos de estudos, pesquisas, recolhimento e análise de dados, dedicou-se às variações dos aspectos fonológicos de Libras nas duas comunidades surdas escolhidas, responsáveis pela mediação do conhecimento. Metodologicamente, a pesquisa se inscreve em uma abordagem qualitativa. Inicialmente, foram selecionados para o estudo 60 sinais relacionados com o ambiente escolar, através de vídeos de alunos obtidos com as escolas. A pesquisadora, então, fez registros fotográficos reproduzindo um recorte de quinze sinais que apresentavam variação, que foi analisada com base na teoria sociolinguística sobre variações linguísticas.

“Concluiu-se que os alunos surdos utilizam-se de variantes linguísticas em seus discursos e que essas variações são um processo natural que ocorre na Libras. Embora a utilização das variações nas comunidades seja natural, dentro da escola, há uma fragilidade linguística por conta do desconhecimento das variações trazidas pelo aluno, sendo que o corpo docente pode vir a sentir a necessidade de padronização”, completa Marisol.

A orientadora do trabalho, professora Sabrina Bonqueves Fadanelli, destaca a qualidade da pesquisa executada. “Os estudos da Variação Linguística em Libras são muito importantes, entre outros fatores, para que se estabeleçam práticas didático-pedagógicas coerentes e respeitosas com a comunidade surda e sua Língua. A pesquisa da Marisol é relevante, pois ajuda a mostrar que a Libras é uma língua viva, como qualquer outra, apresentando características fonéticas, semânticas e morfológicas, e suscetível a variações dependendo da comunidade que a utiliza”, completa, sobre o trabalho desenvolvido.

Protagonismo dos surdos na escola bilíngue

O tema da dissertação de Micheli Porn da Silva, A Constituição da Identidade de Estudantes Surdos: o Protagonismo dos Surdos na Escola Bilíngue, partiu da formação de sua própria identidade surda, desenvolvida a partir de vivências bilíngues, que considera essenciais. Seu trabalho dedicou-se a analisar a percepção do papel da comunidade escolar na constituição da identidade surda. “O intuito é contribuir com a educação e com a educação bilíngue para surdos. Para isso, foi necessário revisitar experiências e compreender conceitos relacionados ao desenvolvimento das crianças surdas e de sua educação”, pontua.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com quatro professores surdos e seis estudantes surdos egressos de escola bilíngue do interior do Rio Grande do Sul. “As escolas de surdos têm valorização própria da identidade e da cultura surda, os quais são conceitos bastante relacionados a um jeito único de Ser Surdo: a identidade surda, a literatura surda, a língua materna, a pedagogia surda, a comunidade surda, a arte surda e a poesia em Libras do sujeito surdo. Conclui-se que a escola e os professores surdos têm papel fundamental na identidade e língua de sinais”.

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Orientadora do trabalho, a professora Carla Valentini reforça o desafio, no país, relacionado ao acesso e ao desenvolvimento de pesquisas por pessoas com surdez, e sua importância para a educação, a democracia e a produção de conhecimento. Nesse contexto, denota que é fundamental que professores e pesquisadores surdos possam se inserir nas decisões sobre a própria educação. “A pesquisa da Micheli procura trazer contribuições para se pensar a educação dos surdos e o papel dos professores surdos nessa educação. Com sua análise, provoca reflexões e convoca a pensar sobre o que está acontecendo nas salas de aula, e também pode ajudar a fundamentar propostas de melhorias, pois ainda há muito que se melhorar na educação de surdos e na educação inclusiva em nosso país”.

A escuta e interação genuína, para uma entrevista de profundidade com os participantes do estudo, se deu em Libras, primeira língua das pessoas surdas. Mas, assim como no caso de Marisol, a dissertação foi escrita em português, o que demandou grande esforço e dedicação. “Considero importante que a Universidade possa avançar e aprofundar os caminhos de acesso e permanência dos estudantes surdos”, projeta Carla, em um processo que não pode ser um desafio de mão única.