Há muita hipocrisia e desconhecimento no que vem sendo falado, mas, me diga: o homicídio no bairro é normalizado e o do centro é escandalizado por qual motivo?
Antes de defender o raciocínio que dá título a esta coluna, quero apenas informar ao leitor que além de 27 anos de profissão na comunicação, sendo editor da Folha por 13 anos, sou o repórter policial da Folha e do Portal. Faço questão assumir esta editoria, não apenas pelas dificuldades, mas também pelos riscos, o quais não gosto de repassar à equipe.
Assim, me faço presente, sempre que possível, nas cenas de crime, não gosto de trabalhar com fotos e informações do WhatsApp. Colocar o pé no barro e ver de perto a realidade que permeia cada ocorrência nos dá uma compreensão melhor daquela realidade.
Disto isto, vamos ao ponto: foram quatro mortes violentas em Canela em uma semana, começando pelo duplo homicídio no bairro São Rafael, na última segunda (22), culminado com um homem morto após briga na festa colonial, ontem (29).
Em meio a isso, tivemos o homicídio em frente à Catedral, na sexta (26), este o que mais chocou a comunidade.
Estes fatos fizeram com que se levantasse uma suspeita sobre o trabalho das forças de segurança e que se colocasse em cheque o trabalho dos policiais, como se Canela fosse perigosa para se viver, ou estivesse se tornando perigosa.
É verdade que a cena de sexta foi forte, mas junte a isso a desinformação de quem critica e o período eleitoral que se aproxima, é a tempestade perfeita.
Algumas verdades precisam ser ditas. Antes destas mortes, Canela ostentava um período de dez meses sem mortes violentas associadas a algum tipo de crime. Dez meses! O índice de resolução destes crimes, no Município, é de 98,63%, restando apenas um caso em aberto. Foram 73 homicídios no período de 10 anos, com 72 resoluções.
A média histórica de Canela é de 7 a 8 homicídios por ano. Em alguns períodos este número cai, em outros se eleva, a grande maioria dos homicídios é relacionado ao tráfico de drogas.
Canela é um dos Municípios da região em que mais há trabalho das polícias para combater as facções, há todo um trabalho para que criminosos de fora não se instalem aqui. Nossa média de crimes contra a vida relacionados ao tráfico é muito baixa, melhor até que outros municípios da Região. Se levar em conta o Estado, estamos super bem, reflexo do trabalho de PC e BM.
Mas, então, porque a sensação de insegurança? Por que um crime contra a vida foi cometido na frente da Catedral, a luz do dia, com diversos populares à volta e com câmeras para todo lado.
Digo para vocês, o duplo homicídio de segunda foi pior que este, as casas no beco onde aconteceram os tiros são todas próximas, a maioria de madeira. Um tiro poderia facilmente varar uma parede e acertar um vizinho, uma criança na cama. Foram duas mortes, uma de um rapaz de 17 anos, na frente da família.
Mas porque esta morte não chocou tanto? Porque foi em um beco do bairro São Rafael?
O crime no bairro não choca, não causa sensação de insegurança? Aquelas vidas importam menos?
Só há facções, só há tráfico agora que aconteceu algo em frente ao nosso ponto turístico?
Canela convive com crimes relacionados ao tráfico há muito tempo, bem mais de 15 anos. Há muitos dependentes químicos girando a cidade à noite, cometendo pequenos delitos. Existem diversas pequenas bocas vendendo drogas por toda a cidade. Há anos! Isso não choca.
Esta realidade não entra no condomínio, não sobe aos apartamentos, mas quem mora nos bairros conhece bem.
O que não se fala é que o usuário de drogas do bairro não vai caminhar até a frente da Catedral para comprar drogas, ele compra no bairro. Quem compra drogas na frente da Igreja é o turista, o morador do centro e o trabalhador do centro.
Quem trabalha nestas áreas sabe que há muitos profissionais que trabalham sob o efeito de drogas, alguns fazem uso recreativo, outros usam para aguentar duas ou três viradas de turno.
Quem trabalha no turismo sabe que frequentemente existem abordagens de turistas perguntando onde comprar drogas.
O tráfico, as facções, também estão presentes nestes contextos fora dos bairros, disfarçadas, mas estão.
Existem até homens públicos, investidos em cargos importantes, que fazem uso de substâncias ilícitas, todo mundo sabe. Se há venda é porque há procura.
Canela não está nem menos nem mais segura, está igual. As perguntas que ficam é se quem está criticando não faz parte desta engrenagem que move a venda de entorpecentes.
Outra questão é o que está sendo feito para mudar esta realidade além de reclamar do poder público. Se há algo que a comunidade pode fazer para auxiliar BM e PC.
Se no momento de doar ou ajudar alguém, lembramos do Projeto Esperança e Paz, que trata dependentes químicos.
Neste momento de estarrecimento público, sempre vem algum aproveitador da opinião pública criticar (de pantufa) quem faz o trabalho pesado. É uma boa hora para nós, sociedade, repensarmos estas questões e entrar no jogo contra o tráfico, pois a Polícia tenta, mas, praticamente, só enxuga gelo com a estrutura que tem.
Pensem nisso!
Existem culpados, sim. Mas isso é assunto para outra coluna, se der tempo, entre hoje e amanhã.