Sou cria dos anos 80. Para o bem e para o mal, foi uma década marcante. Bons tempos de diversão com jogos de tabuleiro, disputas históricas de Banco Imobiliário, Jogo da Vida, Combate e tantos outros. O telefone fixo era artigo de luxo, então as pessoas conversavam mais. Era normal visitar os amigos, e muita gente sequer avisava antes de aparecer na casa do outro. Simplesmente chegava e era recebido com café e muita conversa jogada fora. Outros tempos.
Nas escolas, a vida acontecia e o caráter do cidadão era formado. Matérias como Educação Moral e Cívica, OSPB, Educação Artística e Ensino Religioso dividiam espaço com disciplinas que realmente “valiam nota”, como Português, Matemática, História, Geografia e Ciências, que depois se desdobrariam em Química, Física e Biologia. O verbo to be da Língua Inglesa era ensinado incansavelmente, para muitos que acreditavam que nunca precisariam usá-lo — ledo engano.
Foi em um dia comum de aula, na primeira série, que o pequeno Márcio Diehl Forti ganhou o apelido que levaria para a vida: Cabelinho. Para quem pergunta, aos seis anos eu ostentava um corte de cabelo no estilo Chitãozinho e Xororó. Se me orgulho disso? Claro que não. Como havia outro Márcio na sala de aula, surgiu a necessidade de uma diferenciação. De “Cabeludinho”, virei “Cabelinho”, e para muitos, apenas “Cabelo”. Enfim, não consegui fugir da pecha.
Os anos 80 são considerados por muitos uma época “raiz”. O bullying, que hoje deve ser combatido severamente, não era visto como um problema naquela época. Dali surgiram muitos apelidos. Segundo a máxima, quanto menos a pessoa gostava de um apelido, mais chances ele tinha de pegar. Foi assim que passei minha infância e adolescência cercado por amigos como Baleia, Camarão, Beto, Darda, Tolãozinho, Digo, Jô, Disco, Bijuja, Testinha e Tetê. Os mais velhos também tinham apelidos incríveis — muitos, infelizmente, já nos deixaram, como Salada e Telefone. O Xita é pai do Xitinha, e amigo do Toninho, do Uca, do Farinha, do Chico (irmão do Beto) e do Bodinho. É quase impossível ter mais de 35 anos e não conhecer boa parte da sua geração por pseudônimos. Os apelidos eram tão comuns que muitos geravam outros apelidos. Alguns passavam de geração em geração, como o “Cabeça de Pão d’Água”, que era irmão mais velho do “Cabeça de Cacetinho”.
Eram outros tempos. Hoje, vejo que os apelidos entre os mais jovens geralmente se referem a abreviações de seus próprios nomes, como os Edus (Eduardos) e os Chicos (Franciscos, como o nosso diretor aqui). Muitos apelidos nasceram, sim, do bullying, algo que não pode mais ser tolerado.
Nossa cidade, com seu espírito interiorano, perde quando uma casa antiga dá lugar a um prédio, perde quando um estabelecimento clássico deixa de existir e, inevitavelmente, fica menos “pequena” quando os apelidos deixam de fazer parte do cotidiano. E isso não é uma queixa, mas uma constatação óbvia.
Neste final de semana, nos despedimos de Jadir Donizete Pelissari. E aí vem a pergunta do título: “Como assim, Jadir?” Porque todo mundo conhecia o Pica-Pau. Cidadão gente boa, baita goleiro, engraçadíssimo, que imitava o Clodovil como poucos. Infelizmente, muitos dos bons se vão cedo. E com eles, uma parte incrível e especial da história da nossa cidade.
Que Deus receba o Pica-Pau — Jadir é complicado de chamar — em um céu que, com certeza, ficará mais alegre.