Vídeo obtido pela Folha mostra representantes Kaingangues falando em bloquear acessos à cidade e resistir a qualquer ação de fiscalização no entorno da Catedral
A Folha de Canela teve acesso, nesta semana, a um vídeo de reunião realizada no final de julho entre lideranças indígenas Kaingangues, representantes da Prefeitura e a Funai. O conteúdo reforça que, muito antes da Operação Catedral, deflagrada em 25 de agosto, já havia uma predisposição declarada dos indígenas para resistir a qualquer ação do poder público no entorno da Catedral de Pedra.
Nas imagens, gravadas cerca de um mês antes da operação, os indígenas deixam claro que não aceitariam a retirada das barracas e a proibição da venda de produtos industrializados no espaço da Praça da Matriz — comercialização vedada por lei municipal.
As falas da reunião
Em um dos trechos, Alex Ribeiro, que se apresenta como representante dos indígenas, diz que a situação pode escalar:
“Já não deixo mais família lá porque eu tô com quase 50 famílias que trabalham lá, vai ficar mais pior ainda, pode ter certeza, nosso povo vai se levantar se você ir lá com essas atitudes de tentar impor alguma coisa.”
Alexsandro dos Santos, outra liderança, chega a mencionar uma ameaça direta ao principal evento turístico da cidade:
“Dependendo a ação do município, eu digo Canela não vai ter o Natal Luz, porque de dia 15 de dezembro a dia 25 o acesso a Canela vai estar trancado por mais de 500 indígenas, certo? Não é uma ameaça, é só um aviso secretário.”
Na fala, ele se refere equivocadamente ao Natal Luz de Gramado, quando na verdade o evento realizado em Canela é o Sonho de Natal. O deslize, porém, não muda o sentido da declaração: o aviso de que os indígenas poderiam bloquear o acesso à cidade em plena temporada de fim de ano.
Em outro momento, Lucas Ribeiro afirma não temer prisão:
“Eu já fui preso duas vezes secretário, eu fui preso duas vezes em Caxias, eu não tenho medo de ir preso aqui também.”
E novamente Alexsandro dos Santos encerra em tom de enfrentamento:
“Eu te digo, 30 ou 40 dias pode vir com tudo, se precisar trazer mais indígenas pra Canela nós vamos trazer, junta a polícia de você, pode vir, vamos estar esperando, vamos resistir em Canela.”
O contexto da Operação Catedral
A reunião aconteceu semanas antes da mais recente ação de fiscalização no entorno da Catedral, que contou com apoio da Brigada Militar, Polícia Civil, Receita Federal e secretarias municipais. A operação resultou na apreensão de mercadorias sem procedência, enviadas à Receita.
Um único incidente marcou o dia 25: um indígena reagiu contra fiscais da Prefeitura, chegou a ferir um servidor e acabou detido pela Brigada Militar. O episódio foi registrado em vídeo e, ao circular de forma cortada nas redes sociais, alimentou críticas de suposta “xenofobia” e “abuso policial”.
O material obtido pela Folha, contudo, mostra que a predisposição ao confronto não surgiu na ação de agosto, mas já estava posta pelas lideranças indígenas desde julho.
Comércio irregular e pressão sobre o poder público
O comércio exercido pelas famílias Kaingangues no entorno da Praça da Matriz ocorre há cerca de oito anos, mas sem vínculo com a cultura local. Os produtos são industrializados e importados, sem relação com o artesanato ou tradições indígenas. As famílias que ocupam o local são de municípios como Farroupilha, Bento Gonçalves e Iraí.
A lei municipal proíbe qualquer atividade comercial na área, justamente por se tratar do principal cartão-postal da cidade e um dos pontos turísticos mais visitados do Brasil. Em alta temporada, estima-se que cada barraca possa faturar até R$ 3 mil por dia.
O crescimento das barracas e o assédio aos turistas vêm sendo alvo de reclamações constantes de visitantes e comerciantes regulares, que veem concorrência desleal e pressão negativa sobre a imagem do turismo local.
Canela quer ordem, não xenofobia
A Prefeitura vem promovendo a revitalização do entorno da Catedral, com instalação de vasos, ornamentações e reforço na fiscalização para impedir novas ocupações. O município, entretanto, enfrenta também a pressão política de setores que tentam vincular a causa ao direito indígena, mesmo quando se trata de produtos sem procedência.
Os fatos revelados agora demonstram que a polêmica da última semana não foi um episódio isolado, mas parte de um embate que se arrasta há anos e que tem no turismo de Canela seu ponto mais sensível.
Canela não é xenófoba. A cidade busca apenas preservar a legalidade, garantir concorrência justa ao comércio instalado e proteger a imagem de um dos principais atrativos turísticos do país.