Canela,

15 de abril de 2024

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Garotas em pedaços: adolescentes se ferem de propósito

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No dia 01 de outubro de 2014, o Conselho Tutelar de Canela, identificou uma adolescente que havia cortado os pulsos, durante uma visita à uma escola. Primeiramente, a menina de 12 anos disse se tratar de arranhões de seu cachorro, mas as conselheiras tutelares desconfiaram do ferimento e passaram a investigar o caso, tendo acesso à um bilhete escrito pela menina, o qual foi recolhido pela professora.

Neste bilhete, escrito à punho e endereçado a um colega, a adolescente afirma que sua vida é muito ruim, que ela atrapalhava as pessoas e que iria tirar sua vida pois ninguém iria sentir sua falta.

Hoje ela está bem, mas outras três meninas haviam tirado a própria vida na semana anterior, todas integrantes do mesmo grupo na internet.

Mais do que chamar a atenção, o autoflagelo é um pedido de socorro. As feridas são dolorosos sinais em vermelho de que algo não vai bem. Se você já leu sobre isso ou viu na televisão, pode acreditar que esta é uma realidade distante de você. Engana-se! Pode estar acontecendo do seu lado ou até na sua própria casa.

Agora, o dado que assusta: não há uma semana que não chegue um novo caso na rede de saúde de Canela.

A reportagem da Folha de Canela conversou com a assistente social Aline de Aguiar de Antunes e a psicóloga Janine Rocha Palodetti, da Secretaria de Saúde de Canela, responsáveis pelo atendimento destes casos.

Os casos de automutilação ou de ideação suicída (nomeclatura técnica para quem manifesta a vontade de se matar) se mantém nas escolas e no cotidiano de Canela, é uma violência silenciosa, voluntária, que tem explicação e tratamento, mas assusta e pode causar muitos estragos.

Há três anos, rede social trouxe tragédia

Em setembro de 2014, a Folha de Canela trouxe com exclusividade a denúnicia de que jovens de Canela e Gramado planejavam suicídio através de um grupo em aplicativo de mensagens instantâneas.

Foram pelo menos três mortes de meninas menores de idade, todas com histórico de automutilação. Outras tantas identificadas como integrantes do grupo.

A Polícia Civil regional assumiu as investigações e até o momento o inquérito não está concluído.

O caso chocou o Estado, mesmo assim, o assunto parece ter caído no esquecimento e algumas famílias ignoram que sintomas parecidos nunca pararam de se manifestar.

Nem tudo é depressão, mas é um caso de saúde

A psicóloga Janine explica que este é um caso de saúde. “Nem tudo é depressão”, afirma, “é preciso identificar a causa e tratar o problema”.

Os casos tem chegado de escolas, postos de saúde e até mesmo procura expontânea de jovens e seus familiares.

Na terça-feira, 15, a convite da Escola Estadual Carlos Wortmann, Aline e Janine estiveram dando uma palestra sobre o tema para pais de adolescentes. Casos de automutilação foram identidicados na Escola, que tomou a iniciativa de orientar os pais.

“Hoje a gente vive em uma época em que qualquer frustração é intolerável, as pessoas não entendem que a tristeza é normal no ser humano. Chegamos a receber pacientes que vieram pedir medicamento porque estavam de luto. É necessário entender que existem algumas fases que a pessoa deve passar”.

Mas, na adolescência, tudo é muito maior. Os jovens se cortam porque acham a vida dura, porque tiveram alguma desilusão amorosa ou conflito com os pais, ou ainda por uma questão de gênero, quando não sabem se gostam de meninos ou meninas.

A prática é uma tentativa de aliviar sensações como angústia, raiva ou frustração. O problema é mais comum entre mulheres de 15 a 24 anos.

“Elas sentem uma grande dor mental e quando se cortam, além de conseguir materializar a dor que sentem, conseguindo ver o ferimento, esquecem a dor psicológica por alguns momentos”, explica Aline.

Más influências

Os adolescentes têm uma tendência natural de repetir o comportamento do grupo e ainda não estão com a personalidade formada. Muitas vezes, veem um colega fazer e acham que deve funcionar para eles. Quando um assume um comportamento diferente, tende a viralizar, e a globalização permite que isso seja divulgado. Na internet, há sites que ensinam o comportamento anoréxico, bulímico e até a como se suicidar. Nesta fase, não consideramos a automutilação como patologia, mas transtorno. Adolescentes são muito plásticos. Tem quem se corte uma vez e pare. Aqueles que se cortam apenas por um período. E tem os que se tornam dependentes. Se não houver tratamento, o quadro pode evoluir. Comportamentos parecidos são percebidos em pacientes que sofrem de bipolaridade e outras patologias. Além disso, quando não há mais alívio nos cortes, eles podem procurar outros métodos para se matar.

 Responsabilidade dos ais

A dninâmica familiar mudou, as famílias mudaram, mas, será que elas estão preparadas para algo mais que a dura e corrida rotina?

Eiom uma região turística, em que a maioria dos pais acaba trabalhando à noite e em finais de semana, os adolescentes tendem a passar mais tempo longe daqueles que deveriam ser a sua referência.

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Foto: Filipe Rocha

Palestra com pais na Escola Carlos Wortmann, a pedido da direção

Relação de confiança

Aline Antunes diz que os pais devem ficar atentos e estabelecer uma relação de confiança com os filhos. Saber com quem os adolescentes conversam nas redes sociais, com quem eles andam na rua e quais as suas atividades faz parte da tarefa dos pais e não é invadir a privacidade.

“É preciso dar liberdade e privacidade aos adolescentes, mas existem regras e limites que eles precisam respeitar. Os pais tem que saber o percursso de seus filhos na internet”.

Um exemplo citado por Janine foi a de uma mãe que não deixava a filha sair de casa, mas passava algumas horas fora em razão do trabalho, desta forma, não podia acompanhar as atividades da filha, que acabou sendo identificada em um grupo de whatsapp, no telefone de uma das meninas atendidas no posto do Leodoro de Azevedo.

Ficar atento aos sinais

Isolamento, tristeza, fraco aproveitamento escolar são alguns sinais de que alguma coisa não vai bem. Usar mangas cumpridas o tempo todo e não expor o corpo nunca podem ser evidências de automutilação.

“Os pais devem ficar atentos às coxas, muitas meninas cortam-se neste local pois é difícil de ficar exposto”, explica Janine.

O que fazer ao perceber que seu filho ou amigo está se auto-mutilando?

Primeiro, é preciso que os pais acreditem. É muito mais fácil minimizar os fatos do que tomar uma atitude e admitir que algo está errado. A base é procurar ajuda profissional. Ele vai interpretar e avaliar o caso. Com o tempo de terapia, os pacientes aprendem que os sentimentos ruins sempre vão aparecer, mas é preciso saber lidar com eles.

Em Canela, o caminho mais curto é procurar uma unidade de saúde.

Não é Baleia Azul

As profissionais Aline Antunes e Janine Palodetti deixam alertas para os pais. Automutilzação não é jogo da Baleia Azul e nem sempre quem se corta está planejando o suicídio. Está mais para efeito

Algumas vezes, o problema está mais perto do que se imagina, pode ser dentro de casa, na escola ou uma desilusão amorosa.

O melhor remédio é fortalecer os vínculos de confiança e familiares e procurar ajuda assim que o problema for identificado.