Durante as pesquisas documentais são localizadas relíquias e registros interessantes sobre antepassados quase anônimos e desconhecidos. Anos atrás, quando estava repassando os livros antigos de batismo de vários municípios gaúchos, encontrei mais de uma dezena de assentamentos relacionados a “bugres e bugras” tendo filhos com fazendeiros ou seus herdeiros.
A história conta que houve um processo de expulsão e até de genocídio de tribos inteiras que “atrapalhavam” o povoamento dos campos de cima da serra. Assim ocorreu também na região de imigração italiana onde houve uma “limpeza” para que fossem assentados colonos em lotes determinados pelo governo imperial. É um triste acontecimento que às vezes é escondido ou esquecido pelas gerações que se sucederam.
Para o Genealogista interessa saber se ainda existem sobreviventes dessa epopeia, pois os “causos” contados sobre famílias que tiveram bisavós “pegas no mato”, e que seriam filhas de índios da região fazem parte de lendas, folclore e também de fatos verdadeiros. E para surpresa geral, milhares de pessoas, com sobrenomes diferentes, têm uma costelinha indígena das tribos que estavam por aqui antes da chegada dos pioneiros brancos, quer sejam portugueses, alemães ou italianos. Com os documentos (fonte primária de qualquer pesquisa) fica comprovada a ligação multiétnica, com raiz bem brasileira.
Sabe-se que casais indígenas foram mortos ou desaparecidos e deixadas crianças soltas e abandonadas pela selva, pelos matos e também nas bordas do campo, escondidas em baixo de amoreiras e tocas profundas nos peraus que envolvem rios encachoeirados e de difícil acesso. Essas indiazinhas cresceram e foram criadas por famílias e até adotadas, perfilhadas legalmente. A natureza não impediu que elas tivessem filhos naturais, ilegítimos ou legítimos com tropeiros, fazendeiros, militares, colonos, casados ou solteiros. Para quem gosta do assunto, basta consultar livros de batismos do período de 1815 a 1830, da grande Freguesia da Vacaria (RS) para verificar as centenas de registros que fornecem material necessário para decifrar um pouco mais o nosso passado heroico e retumbante.
Entre tantos dados colhidos, transcrevo o seguinte: “Aos vinte e seis dias do mês de Dezembro do ano de mil oitocentos e vinte e três, na Capela de Nossa Senhora da Oliveira, batizei e pus os santos olhos a Antônia, apanhada no mato, sendo inocente, foram padrinhos Policarpo da Silva e Joaquina Lopes, do que para constar fiz este termo que por verdade assinei. Vigário Marcellino Carvalho de Motta”. No mesmo livro outros assentos na mesma linha, mudando palavras e frases, como: pega no mato, filha de bugra, pais incógnitos com cor de bugre, índia criada, bugra administrada, etc. Fica aqui sugestão para outras pesquisas sobre o tema.
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