Canela,

4 de julho de 2024

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Operação Cáritas completa um ano, com seis prisões e 19 indiciados

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Linha do Tempo da Operação Cáritas - Arte sobre fotos de Francisco Rocha e Reprodução

Maior operação de combate à corrupção já realizada no interior do Estado segue com promessa de novos indiciamentos nos próximos dias

A Operação Cáritas, da Polícia Civil de Canela, considerada a maior operação de combate a corrupção do interior do Estado do Rio Grande do Sul, completou um ano no último dia 9 de abril.

Em uma matéria especial, a Folha faz um compilado das fases já realizadas, dos investigados, dos indiciados e quais são os crimes imputados.

Além disso, a reportagem fala sobre o que ainda pode acontecer na investigação que, segundo a Polícia Civil de Canela, revelou um esquema criminoso enraizado no âmago do Poder Público Canelense.

Leia a sequência desta matéria clicando no link acima

1ª fase – desvio de material de construção

A Operação Cáritas levantou a suspeita da existência de um complexo mecanismo onde agentes públicos utilizam-se de seus cargos para obter vantagens políticas e financeiras, em diversas áreas do poder público canelense, envolvendo também empresas privadas.

O nome Cáritas significa caridade, em latim, referência ao Hospital de Caridade de Canela, onde a investigação começou.

Foi em 9 de abril de 2021 que a Polícia Civil de Canela realizou ação policial para apurar o desvio de materiais de construção do Hospital de Caridade até uma propriedade privada na localidade dos Bugres, interior da cidade, de propriedade de Ademir Claudiomiro Colombo da Silva, vulgo Junta, ou Junta Grosa.

O então diretor de Obras Públicas, da Secretaria de Obras da Prefeitura Municipal de Canela, Denis Roberto de Oliveira de Souza, foi apontado como responsável pelo desvio, juntamente com Claudiomiro.

Nesta ação foi apreendida grande quantidade de material de construção, mais tarde identificado como de propriedade do Hospital de Canela, recebido através de doação.

Foi com a apreensão deste material de construção e dos telefones celulares de Denis e Junta que a Polícia Civil de Canela tomou conhecimento de uma série de ações que poderiam ser crimes contra a administração pública, em Canela.

2ª fase – Rachadinha

Em 22 de de julho de 2021 que o então subsecretário de Obras e vice-presidente do MDB de Canela, Osmar José Zangalli Bonetto, foi preso em flagrante pela Polícia Civil de Canela recolhendo o que o partido chama de contribuição partidária, mas ficou conhecido como Rachadinha Canelense.

Segundo a Polícia Civil, cargos de comissão da Administração Municipal com posições importantes dentro do MDB canelense eram responsáveis por recolher a contribuição obrigatória dos demais CCs, administrar o dinheiro do partido político e pagar contas.

Segundo o inquérito policial, trata-se de um esquema operacional financeiro para bancar despesas políticos partidárias com verbas que se quer são formalizadas na contabilidade do Partido, restando como dinheiro livre. A média de arrecadação do esquema, pode chegar a mais de R$ 20 mil por mês, ou seja, aproximadamente R$ 1 milhão em quatro anos.

Além de não formalizar o ato, os servidores eram coagidos a pagar a contribuição, sob pena de serem demitidos.

A contabilidade da Rachadinha era realizada por Bonetto e Carlos Eduardo da Silva Lopes, CC da Prefeitura de Canela e tesoureiro do MDB Canela. Bonetto e Dudu, como é conhecido na política, mantinham um grupo no WhatsApp, denominado Dim-Dim, no qual registravam a cobrança e quem não havia pago e ainda faziam comentários pejorativos sobre os servidores, sobre as mulheres, alguns comentários tinham conotação sexual.

As atividades da Rachadinha aconteciam dentro do horário de expediente e por vezes, a dupla utilizava telefones e carros públicos para a cobrança.

Secretários municipais também foram acusados de participar do esquema, pressionando os servidores subordinados a participarem de reuniões e realizarem o pagamento.

3ª fase – 175 policiais e três prisões

O 8 de novembro foi o D da Operação Cáritas, quando 175 policiais civis cumpriram mais de 170 mandatos de busca e apreensão. Foi nesta data que foram presos preventivamente Vilmar da Silva Santos, assessor jurídico da Prefeitura de Canela, interventor do Hospital de Canela e presidente do MDB local, Luiz Cláudio da Silva, o Ratinho, secretário Municipal de Obras, e o vereador Alberi Galvani Dias, presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Canela (todos do MDB de Canela).

Os três presos também foram flagrados em posse irregular de arma de fogo.

A Polícia apreendeu documentos nas casas dos investigados, na Secretaria Municipal de Obras, na Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal, endereços comerciais, como o escritório onde Alberi trabalhava, o Parque Sky Glass, Porto Alegre, Dois Irmãos, Novo Hamburgo e dois endereços em Santa Catarina.

Foi na 3ª fase que o público teve a dimensão do trabalho realizado pela Polícia, com um número inicial de suspeitos que chegava a 40 nomes.

Vilmar, Ratinho e Alberi tiveram suas prisões relaxadas um dia depois, mas foram afastados preventivamente das funções públicas por 60 dias através de ordem judicial. Na mesma data, Vilmar se exonerou de suas funções públicas.

Angelo Sanches, então secretário Municipal de Turismo, investigado e alvo desta fase da operação, não teve sua prisão decretada pelo judiciário, apesar de pedida pela Polícia Civil. Ele também foi afastado por 60 dias de suas funções públicas, porém, Angelo e Ratinho foram exonerados a pedido do partido em 20 de dezembro de 2021.

4ª fase – Empresas de terraplanagem

20 dias depois, na manhã de 29 de novembro de 2021, aconteceu quarta fase da Operação. Trinta policiais civis cumpriram mandados de busca e apreensão nas cidades de Canela e Gramado, em cinco endereços ligados a empresas que prestam serviços de maquinário e terraplanagem para a Prefeitura Municipal de Canela.

5ª fase – Novos indícios contra o vereador Alberi Dias

A operação teve sequência no dia 16 de dezembro de 2021, quando a Polícia Civil de Canela cumpriu três mandados de busca e apreensão em residências e propriedades rurais localizadas na cidade e no interior do Município.

Através de nota à imprensa, o delegado de Canela, Vladimir Medeiros, informou que “as buscas são desdobramento da análise de documentos apreendidos no curso da investigação e que, após análise, indicaram possível aquisição de imóvel rural, um sítio, por um dos investigados com valores não declarados e através de laranjas”.

A época, a reportagem da Folha levantou que os imóveis, alvos dos mandatos desta fase, estariam ligados ao vereador Alberi Dias.

A suspeita é de que o sítio em questão, localizado na zona rural do município, teria sido adquirido pelo vereador e contabilista, com valores não declarados, ou seja, até o momento sem procedência, e através de laranjas, para ocultar o patrimônio.

6ª fase – Junta é preso por coagir testemunha

A sexta fase aconteceu em 23 de dezembro, com a prisão de Ademir Claudiomiro Colombo da Silva, também conhecido como Junta. O investigado teve sua prisão preventiva decretada a pedido da Polícia Civil porque estava intimidando, ameaçando e coagindo testemunhas da investigação policial para que não o denunciassem. A Delegacia de Polícia apurou diversas ameaças praticadas durante o andamento do inquérito policial, inclusive com arma de fogo.

Junta, no curso da investigação policial, é apontado pela Polícia Civil como responsável operacional pela realização das obras vencidas pela organização criminosa através de contratos fraudulentos.

Piso do Hospital, encontrado em sítio

7ª fase – Prisão na piscina

Na 7ª fase, realizada na tarde de 28 de dezembro, por volta das 16h30min, o vereador Alberi Dias foi preso na piscina do Esporte Clube Serrano.

A Polícia Civil divulgou, na época, que após análise de vasta documentação apreendida nos endereços do investigado durante a terceira fase da Operação, a Polícia Civil de Canela teve acesso a novos elementos que indicam ainda mais sua efetiva participação na organização criminosa, agindo com liderança e mantendo núcleo próprio para praticar diversos crimes em desfavor dos cofres públicos, sobretudo com a utilização de diversas empresas – algumas de fachada – e parentes para vencer muitas concorrências de obras com a Prefeitura Municipal, em diversas Secretarias e de vários tipos de serviços, inclusive usando CNPJs sem o conhecimento e consentimento dos proprietários e responsáveis pelas empresas, além realizar atos de lavagem de dinheiro com veículos, imóveis e valores. Para a Polícia Civil, o investigado seguia agindo mesmo após sua prisão, inclusive influenciando agentes políticos, já que sequer apuração administrativa foi aberta para apurar os fatos envolvendo seu nome, o que contribuiu para o pedido de sua prisão.

Indiciamentos

Em 28 de janeiro de 2022, a Delegacia de Polícia de Canela remete um relatório parcial à Justiça, com o indiciamento de 17 pessoas, entre empresários, agentes políticos e pessoas ligadas aos investigados principais.

Na peça do indiciamento, a autoridade policial refere que ainda aguardava liberação de documentos, como quebra de sigilos, para concluir a operação.

Relaxamento da prisão

Em 4 de fevereiro de 2022, Alberi Dias tem sua prisão relaxada pela Justiça, porém com novo afastamento de 60 dias, o qual encerrou em 4 de abril, pouco antes da operação completar um ano de sua abertura.

Alberi Dias, no plenário da Câmara, em 11/04/2022 – Fotos: Reprodução

Dezenove indiciados até o momento em oito crimes diferentes

O relatório parcial de investigação da Operação Cáritas foi entregue pela Polícia ao Ministério Público em 28 de janeiro, trazendo 17 pessoas indiciadas por até cinco crimes diferentes, outras duas foram indiciadas em fevereiro.

Até este momento, foram indiciados:

– Ademir Claudiomiro Colombo da Silva, o Junta, por peculato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e fraude em licitação;

– Alberi Galvani Dias, por corrupção, peculato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e fraude em licitação;

– Luiz Cláudio da Silva, o Ratinho, por peculato, concussão, uso de documentos falsos e fraude em licitação;

– Vilmar da Silva Santos, além de desacato, por corrupção, peculato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e fraude em licitação;

– Denis Roberto de Oliveira de Souza, por advocacia administrativa, concussão, corrupção, peculato, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e fraude em licitação;

– Osmar José Zangalli Bonetto por corrupção ativa e passiva, concussão e peculato;

– Angelo Sanchez por concussão e peculato;

– Jackson Muller, por concussão e peculato.

Saiba o que significa cada um dos crimes de que os indiciados da Operação são acusados:

Peculato

Art. 312 – Código Penal – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Falsidade ideológica

Art. 299 – Código Penal – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Uso de documento falso

Art. 304 – Código Penal – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

Fraude em licitação

Art. 90 – Lei 8.666/93 – Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Corrupção ativa e passiva

Art. 317 – Código Penal – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Concussão

O crime de concussão se parece muito com o crime de Corrupção Passiva, a diferença básica está no tipo de atitude, na concussão a lei traz como conduta criminosa o ato de exigir, enquanto no crime de corrupção passiva a lei fala em solicitar ou receber.

Art. 316 – Código Penal – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. 

Desobediência

Art. 330 – Código Penal – Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Advocacia administrativa

Art. 321 – Código Penal – Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:

Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

Parágrafo único – Se o interesse é ilegítimo:

Pena – detenção, de três meses a um ano, além da multa.