Bruno e Yasmin da Luz foram encontrados mortos na última sexta-feira em Canela. Veja o que se sabe sobre o feminicídio seguido de suicídio: tragédia que escancara marcas de um passado familiar traumático pode ter levado ao crime e levanta discussões urgentes sobre saúde mental
A tragédia familiar que envolveu a morte do casal Bruno Rocha da Luz, 31 anos, e Yasmin Schaefer da Luz, 30 anos, chocou a comunidade canelense e acende um alerta para os casos de saúde mental e suas consequências.
O que se sabe até o momento
A ocorrência se deu na noite de sexta (25), por volta das 22h45min, quando os Bombeiros foram acionados para o que foi informado se tratar de um mal súbito, na Rua Professora Frida Maria Haack, bairro Leodoro de Azevedo. No local, os socorristas perceberam se tratar de uma ocorrência de morte por arma de fogo, isolando o local e acionando a polícia.
O casal estava na cama, lado a lado, ambos sem vida. Ao lado de Bruno, um revólver. A investigação iniciou como um caso de feminicídio seguido de suicídio e a Polícia Civil trabalha com investigação e perícia para confirmar a suspeita.
Nesta semana, testemunhas foram ouvidas e aparelhos eletrônicos devem ser periciados.
Há também indícios, não confirmados pelas autoridades, de que Bruno, que trabalhava com venda de importados, passava por um período de instabilidade financeira. Por outro lado, Yasmin era proprietária de um centro estético, no mesmo prédio onde, no pavimento superior, ficava localizado o apartamento do casal. Ainda, neste prédio, Bruno possuía uma sala, na qual operava o negócio de importados.
A suspeita é de que Bruno teria, ainda na tarde de sexta-feira, desferindo um único disparo na cabeça da esposa, enquanto ela estava deitada na cama, deixado o apartamento e voltado à sua sala onde permaneceu por um bom tempo.
Horas depois, teria voltado ao local, deitado na cama onde estava o corpo de Yasmin e desferido um disparo contra o próprio crânio.
O casal foi encontrado pelo irmão mais novo de Bruno, que, abalado, acionou os Bombeiros.
O filho do casal não estava na residência no momento e não presenciou os fatos.
Reflexos da morte do casal
O casal deixa um filho com menos de dois anos de idade, que atualmente está sob os cuidados da avó materna. O relacionamento já durava cerca de 14 anos, mas somente há dois anos celebraram o casamento.
Yasmin deixa, ainda, a mãe e um irmão mais novo, uma vez que o pai faleceu em setembro de 2024, lutando contra um câncer.
Já, Bruno deixa ainda um irmão mais novo. A mãe dele faleceu em fevereiro deste ano.
O casal foi sepultado no domingo (27), em cerimônias separadas, mas tendo em conjunto a dor e o luto de ambas as famílias.
As respostas para um caso tão doloroso dependem da finalização do trabalho da perícia, que está sendo realizada pelo IGP – Instituto Geral de Perícias.
A tragédia familiar que marcou o passado e traz reflexos para o presente
Bruno e sua família já haviam passado por um trauma semelhante.
Em fevereiro de 2013, Nélio Sidinor Isabel da Luz, pai de Bruno, inconformado com a separação, encontrou um professor de artes marciais que mantinha relacionamento com sua ex-esposa, próximo a um mercado na Rua Júlio de Castilhos.
Ele efetuou cinco disparos contra o desafeto, que sobreviveu ao ataque. Ato sequente, Nélio fugiu para sua casa onde tirou a própria vida com um tiro no peito.
O corpo do pai e uma carta de despedida foram encontrados por Bruno.
O caso trouxe reflexos em toda a família. A mãe de Bruno teve o agravamento de uma doença mental, que acabou levando a mesma à frequentes internações e posteriormente faleceu, no início deste ano, coincidentemente, no dia 23 de fevereiro, o mesmo dia em que Nélio Luz tirou a sua vida.
A dor dessa tragédia se espalha em diferentes direções, atravessando os dois núcleos familiares. Enquanto alguns buscam forças no silêncio, outros optaram por relatar à reportagem da Folha suas angústias e o que perceberam ao longo dos anos.
Silêncio e sofrimento dos familiares de Bruno Luz
A reportagem da Folha procurou familiares de Bruno Luz, os quais preferiram não se manifestar. “Estamos profundamente abalados e atravessando um momento de enorme sofrimento. Não buscamos julgamentos nem exposição, apenas silêncio e respeito neste período de luto”, disse um familiar, em mensagem à redação da Folha.
Família de Yasmin manifestava preocupação antes do ocorrido
A reportagem da Folha conversou com familiar de Yasmin. A família segue abalada e ainda aguarda o término das investigações para se manifestar. Por este motivo, ela preferiu não se identificar neste momento.
Questionada pela reportagem sobre qual motivo Yasmin nunca tomou uma atitude sobre o suposto comportamento do marido, a familiar relatou que Yasmin sempre afirmou que “Bruno era um bom pai” e que por isso nunca registrou nenhuma ocorrência.
Em seu relato, a familiar de Yasmin disse que comportamento preocupava quem era mais próximo do casal. Confira a entrevista:
Vocês perceberam alguma mudança de comportamento recente no Bruno? Ou na Yasmin?
Infelizmente, o comportamento do Bruno já apresentava sinais preocupantes há alguns anos. Quando tomado pela raiva, ele não conseguia medir as consequências de suas atitudes ou palavras — e isso era perceptível para quem convivia mais de perto.
Pessoalmente, cheguei a passar por situações bastante desagradáveis com ele, o que me levou, inclusive, a me afastar, pois me senti vulnerável.
A Yasmin, em algumas conversas, chegou a relatar episódios de medo e ameaças. Mas, ao mesmo tempo, dizia que ele também era uma pessoa boa — o que acredito que fosse em muitos momentos. Porém, nos episódios de raiva, ele se transformava. Era alguém desequilibrado, e isso a colocava em risco, ainda que ela, como muitas mulheres, tentasse enxergar o lado bom por amor ou esperança de mudança.
Em algum momento chegaram a sentir que algo estava prestes a acontecer?
Sim. Inclusive, já havíamos conversado sobre isso anteriormente, e eu a aconselhei a se afastar, a se proteger. Mas, infelizmente, nessas situações, só quem está dentro da relação consegue — ou acha que consegue — tomar essa decisão no tempo certo.
Sem dúvidas, havia sentimento da parte dela. Se não houvesse, a relação não teria durado tanto. Ela acreditava no amor, acreditava na família — e, muitas vezes, isso nos faz insistir além do que deveríamos.
Qual foi o impacto dessa tragédia para a família e para o filho deles?
É difícil mensurar. Ainda estamos em choque. Nos sentimos desolados, revoltados, indignados… Faltam palavras para expressar a dor da perda de uma mulher admirável, cheia de vida, tão querida por todos.
O impacto para o filho, ainda está por vir. A ausência de ambos (mãe e pai) será sentida para sempre — e o que nos resta agora é encontrar formas de acolher, amparar e manter viva a memória da mulher extraordinária que ela foi.
Como a tragédia familiar vivida no passado (com o pai de Bruno) influenciou a vida dele?
Ao meu ver, influenciou completamente. Carregar um trauma desse tipo, sem acompanhamento profissional (acredito que se houve faz tempo, nos últimos tempos ele não tinha ajuda profissional, mas se aconselhava muito com amigos… mas agora por último estava calado e nem aos amigos recorria), é como carregar uma ferida aberta. A ausência de ajuda psicológica e espiritual nesse processo, sem dúvida, agravou tudo.
Quem passa por traumas profundos precisa de apoio — precisa de tratamento, de orientação, de fé. Precisamos aprender a romper ciclos, e isso não acontece sozinho.
O que vocês gostariam de dizer à comunidade, após tudo o que aconteceu?
Que nunca é exagero procurar ajuda. Que violência não começa com um ato extremo — começa com o desrespeito, com o controle, com a manipulação, com o medo.
Que possamos acolher, escutar, orientar sem julgar. Que toda mulher saiba que sua vida vale mais do que qualquer relação, que ela tem direito à liberdade, ao respeito e à segurança.
E que nós, como sociedade, sejamos mais vigilantes, mais presentes, mais atentos. Não dá mais para silenciar. O silêncio mata.
Que tipo de apoio vocês acreditam que as famílias atingidas por tragédias assim precisam?
Elas precisam, acima de tudo, de acolhimento e cuidado. Apoio psicológico, suporte espiritual, projetos sociais, atividades que mantenham a mente ativa e voltada para coisas boas — como o estudo, a fé, o voluntariado.
São caminhos que ajudam a ressignificar a dor e a encontrar um novo sentido para continuar. Porque a dor não vai embora, mas pode ser transformada em força, em propósito, em prevenção.
Preconceito contra quem busca ajuda afasta muitas pessoas do apoio de que precisam
A pedido da redação da Folha, o psicólogo Alexandre Kury Port falou sobre o tabu que envolve o tratamento psicológico e a importância desta mudança em nossa sociedade. Confira:
Dez anos de dedicação à Psicologia Clínica me ensinaram algo valioso: cerca de 80% dos atendimentos estão ligados a relacionamentos — sejam eles amorosos ou familiares — e, muitas vezes, envolvem padrões familiares que se repetem de forma inconsciente.
Recentemente, nossa cidade foi marcada pela tragédia que tirou a vida de dois jovens. Diante disso, é urgente falar sobre saúde mental nas relações.
Quando um jovem cresce vendo o pai encerrar um relacionamento de forma traumática, há grandes chances de que ele reproduza um padrão semelhante diante de suas próprias rupturas. O que não é elaborado, tende a se repetir — e, por vezes, de forma ainda mais devastadora.
Medo da rejeição, intolerância à frustração, depressão e ansiedade são diagnósticos cada vez mais presentes em nossa sociedade. E a psicofobia — o preconceito contra quem busca ajuda psicológica — ainda afasta muitas pessoas do apoio de que precisam. Vivemos em uma sociedade que silencia os conflitos conjugais com ditados como “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e que, ao mesmo tempo, julga quem decide procurar um psicólogo: “isso é coisa de quem bate pino”.
O luto coletivo que vivemos hoje nos deixa uma lição: o que enfrentamos em nossa intimidade está longe das aparências. Relações saudáveis são construídas dia após dia, e é preciso coragem para buscar ajuda quando as dores se tornam maiores do que podemos suportar sozinhos.
Se, no passado, Bruno foi o filho tentando entender o fim conturbado do relacionamento dos pais, hoje, quem carrega esse desafio é o filho dele e de Yasmin. Uma criança que terá que ressignificar essa dor, fazer as pazes com o passado e, quem sabe, escrever uma nova história — com um padrão diferente.
É uma responsabilidade imensa. Mas foi imposta pelas escolhas dos adultos ao seu redor.
Onde e como procurar ajuda?
Casos como este não são resultado de um único fator. Eles somam silêncios, traumas não tratados e ausência de redes de apoio. Canela precisa, como comunidade, falar sobre dor, escutar sem julgamentos e romper com ciclos de violência que, por gerações, seguem cobrando vidas.
A psicóloga e coordenadora do CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, Janine Palodetti, explica que o SUS oferece acolhimento e tratamento para ansiedade, depressão e outras doenças de fundo mental.
Casos iniciais podem receber tratamento em todas as unidades de saúde e casos mais graves, incluindo crises, podem ser atendidas diretamente no CAPS.
“Apesar da grande demanda, temos uma equipe pronta para acolhimento e atendimento destes casos, todos podendo ser tratados via SUS, incluindo a internação, se este for o diagnóstico, o importante é procurar ajuda”, esclarece Janine.
O serviço é oferecido das 7h às 17h nas unidades de saúde e no CAPS, que fica na Rua São Francisco, 180, no centro de Canela.
Fora destes horários, a orientação é buscar o apoio do SAMU, através do telefone 192, ou diretamente no Hospital de Caridade de Canela.
Pessoas que sofrem com depressão e não conseguem buscar ajuda de profissional de saúde ou, mesmo aquelas com risco de suicídio, podem ainda buscar apoio em conversas com os voluntários do Centro de Valorização da Vida (CVV), em parceria com o SUS (Sistema Único de Saúde), pelo número 188. Por esse canal de comunicação, os cidadãos recebem apoio em momentos de crise.