Canela,

2 de agosto de 2025

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Chico

360 GRAUS

Francisco Rocha

O meu conselho para quem quer iniciar no jornalismo é: tenha coragem

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Para quem vê de fora, o jornalismo pode parecer uma profissão glamourosa: convites para eventos, lugares privilegiados, bocas livres, flashes e espumante em noites de lançamento.
Antes fosse. Essa é a parte rasa da profissão.

E não é uma crítica à área nem aos profissionais deste tipo de notícia, é uma constatação de quem atuou em diversas editorias, ao longo de mais de 28 anos de profissão.

Ontem mesmo, ao buscar uma matéria antiga que não estava digitalizada, recorri ao velho acervo de jornal impresso. Ao pegar a edição, olhei minha coluna de 2013, para ver o que tinha escrito na época, o texto era assim:

O final de semana sangrento que Canela viveu reforça aquilo que vínhamos falando na Folha ao longo de 2012. Nossa comunidade mudou, se transformou, cresceu…
É justamente por essa transformação que vivemos o aumento em número e espaço de tempo de fenômenos comuns em outras cidades, como a prostituição, tráfico, as facadas, tentativa de homicídio, suicídios cada vez mais seguidos.
Conversando, terça, com meu amigo Halder Ramos, correspondente do Correio do Povo para a região, ouvi sua tristeza por não poder publicar no jornal de circulação estadual matérias como estas, pois estes fatos, ao nível de estado, são corriqueiros, irrelevantes.
É aí que me refiro, não estamos aqui para maquiar notícias ou tapar o sol com a peneira, estamos aqui para mostrar os fatos como eles são, mesmo que alguns não concordem ou não gostem.
Temos que admitir que Canela mudou e compreender nossos problemas para, somente assim, com a indignação e conscientização da comunidade, aplicar o remédio certo para estas doenças. Senão, estes fatos se tornarão corriqueiros aqui também e aí não terá mais remédio.

Ocorre que com o crescimento de Canela e Gramado, com sua projeção como cidades relevantes no Estado, com o imediatismo da internet e, principalmente com o conteúdo raso que vem sendo produzido atualmente, estes casos que eram corriqueiros e não tinham relevância em 2013 no jornal impresso ganharam tamanha notoriedade atual, em busca de cliques e engajamentos, que o principal elemento de nossa profissão se perdeu: a reportagem.

Um bom prompt de inteligência artificial, hashtags corretas, fotos de pessoas bonitas e um título de tragédia. Pronto, a receita perfeita para viralizar.

Me espantei, mas vi que meu texto de 2013 parece ser ainda atual, com uma diferença, os fatos acabaram por se tornar corriqueiros, bombásticos, até viralizar uma nova tragédia e o ciclo recomeçar.

Diante disto, proliferam cópias de outros meios de comunicação em busca do imediatismo e das visualizações, deixando para trás o que há de mais precioso na nossa profissão, a apuração dos fatos.

Confesso: eu odeio 80% do que escrevo. Mas escrevo com honestidade. Não posso brigar com os fatos — eles são meu ponto de partida. Mesmo quando estou mal, como nesta semana, sigo publicando o que apurei. Porque é isso que se espera de um repórter.

Por este motivo, iniciei minha coluna afirmando que é preciso ter coragem para exercer esta profissão. Na maioria das vezes, as pessoas culpam o mensageiro e não a mensagem.

Mas a reportagem, ela nos salva. Nos salva de um conteúdo repetitivo, do mais do mesmo e do “copy and paste” generalizado. O jornalismo que eu conheço é feito de reportagem, não de assessoria de imprensa.

A gente vai no local dos fatos, vê o que está acontecendo ou aconteceu, conversa com as pessoas, colhe informações e conta a história. Você tem a oportunidade de, ao ver uma coisa errada, denunciar e tentar mudar as coisas. Se vê algo bom, publicar e inspirar outras pessoas.

Mas a história, os fatos, são o mais importante, eu gostando deles ou não, devo publicar com toda a honestidade do que foi colhido na reportagem.

Fazer isso dá trabalho, poucos cliques e ainda nos coloca em posição de embate com quem se sente afetado com nosso ofício.

É preciso coragem, além de muito amor à profissão, e paciência, para entender que você fez o certo, mesmo, algumas vezes, tendo dor de estômago por dias.

O jornalismo não vai mudar o mundo. Nem o Estado, nem a nossa cidade.
Mas pode ajudar as pessoas a acessarem os fatos — e, quem sabe, tomarem para si o desejo de mudar.