Canela,

22 de dezembro de 2025

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Chico

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Francisco Rocha

Falta de água é o sintoma. A doença vai além da atuação da Corsan e da privatização

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Mais sabe o diabo por ser velho do que por ser diabo. Minha vó repetia isso como um mantra cada vez que eu, adolescente, tentava argumentar sem ter base nenhuma. Hoje, com as barbas já bem brancas, entendo o que a Dona Dina queria dizer. Ela ganhou paciência com o tempo. Eu, ao contrário, tinha pouca e estou perdendo o resto ano após ano.

A Corsan virou assunto diário. Redes sociais, discursos políticos e, infelizmente, a rotina dos moradores que abrem a torneira e escutam aquele ronco que anuncia a tragédia. Quer ver a água sumir é só começar a temporada de Natal. Isso sem falar no cheiro nada turístico que toma algumas regiões da cidade, mostrando que o tratamento do esgoto ainda é uma obra de ficção.

A fórmula é velha. Mais gente na cidade, mais esgoto, menos água nos reservatórios. Sempre foi assim e pouca coisa mudou, porque muito se fala e quase nada se faz.

Eu era funcionário público da Prefeitura quando, no apagar das luzes de dezembro de 2004, o prefeito José Vellinho Pinto renovou o contrato com a Corsan por vinte anos. Quase como um último ato de governo. Naquela época, o assunto esgoto ainda não tinha o protagonismo que tem hoje. Cada casa fazia seu sumidouro e empurrava o problema para baixo do chão. A preocupação era a água tratada. Como essa tarefa cabe aos municípios até hoje e muitos não tinham condições de executar, o Estado criou a companhia. Parecia um bom negócio, mas como quase tudo que é público, o tempo deixou obsoleto.

Avançamos para 2023. Eduardo Leite privatizou a empresa, quebrando mais uma promessa de campanha. Só que, mesmo privada, a melhoria não apareceu. As cidades cresceram, a legislação mudou, mas a estrutura não acompanhou essa realidade.

E aqui está o ponto fundamental. A Corsan é uma empresa contratada pelo município, igual a empresa de roçada, a empresa da decoração de Natal e a empresa que faz a obra da praça. Enquanto era estatal, os prefeitos não pressionavam. Romper contrato era brigar com o governador, e poucos tinham coragem para isso. Além disso, se a Prefeitura já sofre para tapar um buraco de rua, imagine gerenciar água tratada e esgoto.

Mesmo assim, vários municípios fazem por conta própria. Porto Alegre, Caxias do Sul e São Leopoldo são exemplos. Outros se juntam em consórcios e contratam empresas. No Rio Grande do Sul, entre 497 municípios, a Corsan ainda opera em mais de 320.

Em 2020 surgiu o novo marco do Saneamento e, com ele, a exigência de metas mais duras. Em 2024, o prefeito Constantino Orsolin relutou, resistiu, mas acabou renovando o contrato por mais vinte anos.

Nesse intervalo, diversos prefeitos passaram por Canela e Gramado. A relação com a Corsan sempre foi confortável. Sem multas, sem notificações, sem aperto. Gramado, a nossa referência padrão, tem muito mais problemas de esgoto que Canela. Quando falam em despoluir o Caracol, esquecem que o combinado tem que ser feito com o vizinho primeiro.

Muitos investimentos foram anunciados. Milhões prometidos. Rasgaram tubulação de do Poço da Faca ao Centro de Gramado, trocaram postes para levar mais energia para a estação de captação e fizeram obras intermináveis bem no meio da alta temporada do Turismo. E o que mudou? A resposta você já conhece.

Pressão baixa na torneira. Bairros inteiros sem água. O mesmo cheiro desagradável saindo das bocas de lobo. A mesma história contada de novo e de novo.

E o fiscalizador do contrato? As prefeituras seguem mansas com a Corsan. Agora tente você fazer algo parecido e veja se a multa não chega, se o embargo não cai ou se a fiscalização não aparece. A régua muda conforme o lado do balcão.

No fim, historicamente, a culpa é sim das prefeituras, ou seja do Poder Público na sua essência. Entregaram o serviço a uma empresa que não executa como deveria e nada acontece. E continuarão assim enquanto não houver coragem política de mexer nesse vespeiro.

Minha expectativa é simples. Não vai mudar. Meu conselho é outro. Instale uma caixa de água e ande na linha, porque de você, contribuinte, as prefeituras não têm medo nem complacência. Já da Corsan…

E vamos parar com a narrativa de torcida organizada, o problema não é esquerda, direita, estatal ou privado. O serviço era ruim e continua ruim. A doença é muito mais profunda que a placa na porta.