Canela,

2 de outubro de 2025

Anuncie

Chico

360 GRAUS

Francisco Rocha

“Pais de Castigo”: o que a campanha da FPF pode ensinar para Canela

Compartilhe:

A Federação Paulista de Futebol decidiu, em setembro, fazer algo que deveria ser óbvio há muito tempo: colocar os adultos de castigo. Literalmente. Depois de uma sequência de episódios lamentáveis de agressões verbais e até físicas em jogos de categorias de base, a entidade determinou que 144 partidas fossem disputadas com os portões fechados, sem a presença de pais e familiares. A campanha, batizada de “Pais de Castigo”, passou um recado simples: quando os adultos perdem a razão, quem paga o preço são as crianças.

A decisão pode parecer radical — e é —, mas também é necessária. O futebol infantil virou, em muitos casos, um campo de guerra emocional, onde a vaidade de pais frustrados grita mais alto do que a alegria de ver os filhos jogando. Em vez de estímulo, cobrança desmedida. No lugar de apoio, insultos. O resultado é uma arquibancada tóxica e um ambiente que, em vez de formar cidadãos, deseduca. Se a base esportiva deve ser um espaço de aprendizado, convivência e respeito, o exemplo precisa começar justamente ali: fora das quatro linhas.

Se você ainda não viu o vídeo da campanha — que circulou com força nas redes sociais nas últimas semanas — ele está logo abaixo. Vale a pena assistir.

Mas o que isso tem a ver com Canela, Chico? Tudo!
Neste momento, escolinhas de Canela se reuniram em uma competição particular, a Copa Educar de Base, abandonando o Municipal nas categorias Sub-09 e Sub-13. Segundo os organizadores, o objetivo é oferecer um ambiente mais educativo, saudável e acolhedor.

Para quem não sabe, tivemos um jogo do Municipal Sub-15 com portões fechados aqui em Canela, após confusão na arquibancada. Houve ainda outros episódios em campeonatos de base — desde invasão de vestiário até vandalismo no estacionamento do ginásio.

E é aqui que a discussão precisa ir além da punição pontual. A verdade é que o esporte é, por excelência, uma ferramenta de política pública — e das mais poderosas. Nenhum outro instrumento social consegue reunir, ao mesmo tempo, disciplina, espírito coletivo, superação e convivência como o esporte consegue.

Quando o poder público investe seriamente em escolinhas, projetos comunitários, infraestrutura esportiva e capacitação de profissionais, não está apenas formando atletas: está formando cidadãos. Está oferecendo às crianças e adolescentes um espaço onde regras são respeitadas, diferenças são superadas pelo trabalho em equipe e o mérito vem do esforço coletivo — não do berro mais alto vindo da arquibancada ou do banco de reservas.

Infelizmente, em Canela ainda tratamos o esporte como um luxo — algo “secundário” nas políticas públicas, relegado ao calendário escolar ou a campeonatos esporádicos. Precisamos inverter essa lógica. Escolinhas municipais de futsal, vôlei, atletismo e tantas outras modalidades deveriam ser vistas como salas de aula complementares, onde valores como empatia, cooperação e disciplina são ensinados na prática, dentro do contexto que as crianças mais amam: o jogo.

A política pública do esporte não é gasto — é investimento social, com retorno garantido na redução da violência, no engajamento comunitário e até na educação formal. Tudo isso poderia fazer parte da tão aclamada educação integral, e não com professores do quadro do município, mas por meio da contratação de profissionais externos especializados para atuarem junto aos alunos.

Poderia, inclusive, ser uma forma de contrapartida: projetos que recebem verba pública seriam obrigados a oferecer um número mínimo de aulas, com dia, local e horário pré-definidos, dentro da rede municipal.

Em Canela, o esporte sempre foi um apêndice que nenhuma secretaria quer. A Secretaria de Educação deveria ser a primeira a querer o Esporte e a fomentá-lo. Essa lógica de separar as duas estruturas, de dizer que não podem caminhar juntas, é pura balela. Poderia citar pelo menos 20 municípios próximos em que o esporte é um departamento da Educação — e a coisa funciona bem.

Claro que precisa de investimento, e dá trabalho manter estruturas sendo usadas por Educação e Esporte juntos. Requer limpeza, manutenção e cuidado. Mas quem planta, colhe.

O episódio dos “pais de castigo” serve, portanto, como alerta. O problema não está nas crianças — está nos adultos e, principalmente, nas estruturas públicas que ainda tratam o esporte como espetáculo, e não como política de Estado.

Enquanto for visto apenas como lazer de fim de semana ou vitrine de evento, o esporte continuará incapaz de transformar realidades. Quando o poder público entender que o esporte é tão essencial quanto a sala de aula — porque educa, disciplina e forma caráter — ele deixará de ser um gasto e passará a ser investimento no futuro.

E, nesse dia, não será só a arquibancada que vai se calar para a quadra ensinar — será a cidade inteira que vai aprender.