A autoescola não ensina a dirigir, ensina a passar na prova.
O Brasil está discutindo de novo a redução das aulas obrigatórias nas autoescolas. E, como sempre, aparece o coro indignado dizendo que mexer no modelo atual colocaria vidas em risco. Mas aí vem a pergunta que dói, aquela que ninguém gosta de encarar: o sistema atual, cheio de burocracia e dono da verdade, melhorou alguma coisa?
Olhando para as nossas estradas, a resposta aparece sozinha. Não melhorou.
A formação de condutores no Brasil virou uma engrenagem pesada, cara e, na prática, pouco eficiente. A autoescola não ensina a dirigir, ensina a passar na prova. Essa é a raiz de tudo. A lógica está virada do avesso. O aluno não aprende a se comportar no trânsito, aprende a repetir os gestos que agradam o examinador. Parece ensaio de teatro, não formação de motorista.
Enquanto isso, o trânsito continua violento, imprevisível e preso naquela cultura do jeitinho que todo mundo tenta negar mas usa quando convém. Se o objetivo era formar motoristas responsáveis e seguros, deu errado. E deu errado porque o sistema foi criado mais para alimentar a máquina do que para atender quem está atrás do volante.
Burocracia, reserva de mercado e pouco resultado
A formação de condutores no Brasil é um serviço engessado. Não existe concorrência de verdade. Para tirar a carteira, o cidadão é obrigado a pagar um CFC e apenas um CFC. Não há liberdade de escolher outro método, algo mais barato ou mais moderno. É tudo fechado, protegido e blindado.
Prova disso é que um sindicato de donos de CFC publicou manifesto contra qualquer flexibilização. E não falaram em qualidade, segurança, índices de acidentes, nada disso. Falaram em proteger mercado. Quando um setor só existe porque a lei obriga, aí não se chama serviço, se chama cartório.
E, como todo cartório, custa caro. Muito caro.
Hoje, para tirar a carteira, um gaúcho paga cerca de cinquenta por cento a mais do que um catarinense. Qual é a lógica disso? Os catarinenses dirigem pior? As aulas deles são piores? Claro que não. A conta não fecha. E é sempre a população que paga essa brincadeira.
E lá fora, como funciona
Quando olhamos para outros países, o constrangimento aumenta.
Nos Estados Unidos, o jovem aprende com a família, pratica de verdade e faz uma prova objetiva. Na Espanha, há rigor, mas com método. No Japão, aí sim, existe uma formação pesada e comprovadamente eficiente, com redução real de acidentes ao longo dos anos.
O que todos têm em comum é simples. Eles formam motoristas. O Brasil forma decoradores de checklist.
E os números brasileiros
Depois de décadas com exigência de CFC, não existe grande melhora atribuída ao modelo. O que reduziu acidentes veio de fora do sistema: carros mais seguros, fiscalização eletrônica, campanhas de conscientização e, devagar quase parando, uma mudança cultural. O CFC não foi o herói da história. Nunca foi.
A verdade incomoda, mas alguém precisa dizer. O modelo atual não está entregando o que promete.
Outra visão é possível
Discutir redução de aulas não é defender irresponsabilidade, muito menos barbaridade no trânsito. É defender racionalidade. O motorista precisa saber dirigir, entender o trânsito e respeitar as regras. Não precisa decorar coreografia de prova, parece óbvio.
Se o Brasil quiser enfrentar a tragédia do trânsito, precisa:
• provas mais técnicas e exigentes, mas com foco no trânsito real, do dia-a-dia
• liberdade para escolher métodos e formação
• prática de verdade, com acompanhamento
• menos papel e mais resultado
O resto é defesa de privilégio disfarçada de preocupação com segurança.
Quando a coisa é boa de verdade, não precisa empurrar ninguém. Se o modelo brasileiro fosse realmente eficiente, não precisaria ser obrigatório. Talvez aí esteja a resposta que o debate evita desde sempre.