O tradicionalismo vive um momento antagônico. De um lado o Movimento Tradicionalista Gaúcho como órgão instituído com o dever de regular, resguardar, divulgar e manter as tradições gaúchas; através do atual presidente Nairo Calegaro e sua equipe, incansavelmente vem divulgando com clareza e determinação alicerçadas nas pesquisas de Paixão Côrtes, algumas mudanças quanto ao cenário das danças bem como das indumentárias; buscando uma proximidade maior em relação a autenticidade destes temas. Não que Paixão seja a única fonte, mas sem dúvida a que mais pesquisou, publicou, formou e fomentou as tradições, sendo uma referência indiscutível. Suas pesquisas “in loco” resgataram mais de uma centena de danças, indumentárias, usos e costumes dos povos antigos.
Por outro lado vivemos a época de degradação e deturpação de algumas entidades tradicionalistas com a promoção de eventos e festas “campeiras”, sem preocupação em preservar a identidade terrunha.
Os questionamentos quanto a relevância ou importância do resgate das tradições levaram Paixão Côrtes a participar de uma série de artigos da Zero Hora publicados no dia 21/09/2002 sob o título Gauchidade, Tradição ou Invenção.
Em resposta o folclorista expressa a sua compreensão sobre a importância da preservação das tradições:
“Sobre o tradicionalismo gauchesco atual, há aqueles que criticam o assunto de forma graciosa, testemunhando seu desconhecimento documental das verdadeiras causas do seu nascer, sua fundamentação e sua abrangência grandiosa no presente universo terrestre, como fonte espontânea de manifestação popular e de identidade cultural.
Essas avaliações gracejadoras fizeram-me lembrar de uma máxima campestre que aprendi de meu avô, lá pras bandas de Santana do Livramento: “Praga de urubu não mata cavalo gordo”.
Estou com 75 anos, dos quais 55 estão ligados intensamente ao tradicionalismo atual, que venho ajudando a revitalizar através de pesquisas campechanas, sérias, “in loco”; com conceituação autóctone de nosso folclore pastoril, por intermédio de publicações livrescas, merecedoras da edição de 300 mil cópias (anos de 2000 e 2002) distribuídas gratuitamente às bibliotecas públicas, às universidades, aos Centros de Tradições Gaúchas, acompanhadas no palco por manifestações culturais – artísticas ao vivo e distanciadas de repetitivos literários, ornados de papagaiadas.
Neste mais de meio século, tenho visto surgir, por vezes, “mecenas crioulos” que não sabem “o sol que nunca anuncia seca”, “o pasto que faz mal”, que “ovelha não é para mato” deitando regras sobre criação.
Disso concluo que as referidas máximas acima aludidas – frutos da cultura popular, do saber folclórico campesino – estão cada vez mais presentes. Como andam soltos e voando ultimamente pelos “pagus”, abutres à procura de carniça para justificarem seu odor, onde fazem pousada!
Tem gente que só enxerga como culatra de carreta. Não adianta. No dizer de nossa tradição, “é querer indireitar sombra de pau torto”, sabendo – se que o graxaim é que uiva com fome atrás de cordeiro. Isto é folclore de campanha, mas não para recavém acomodado em cadeira de veludo, sem identidade rurícola, cujo filosofar só aparece como tripa de lingüiça: cheia de ar.
O melhor mesmo é abrir a porteira e deixar sair campo afora, de cola erguida, e que se percam sozinhos pelo pampa, engolidos por algum barrocal.
Hoje no mundo, no Brasil (em vários estados), na América do Norte, na Europa, no Japão, na Rússia – existem cerca de 3.715 entidades congregando um milhão de pessoas configurando e praticando a cultura tradicionalista rio-grandense.
Este movimento é irreversível; vem de baixo para cima, da alma nativa do povo. Não agüenta tampão deste ou daquele pretenso bostejador sapiente.
Do resto é frouxar a cincha. E os Centros de Tradições sabem que tem alta responsabilidade em contribuir e traçar límpidos horizontes à preservação de nossas heranças.”